'Príncipe' alemão reivindica propriedades reais expropriadas
15 de novembro de 2019Quando um tribunal alemão, em junho último, rejeitou a queixa do "príncipe" da Prússia reivindicando o Castelo de Rheinfels – um vasto baluarte medieval sobre o rio Reno e antiga propriedade da nobre família Hohenzollern –, essa foi a mais recente de uma série de tentativas fracassadas de restituição por parte da antiga Casa Real alemã.
Desde a Segunda Guerra Mundial, o castelo pertence à cidade de Sankt Goar, no estado da Renânia-Palatinado. A construção é apenas um dos inúmeros itens que os herdeiros da Casa de Hohenzollern estão tentando recuperar.
Eles são liderados atualmente por Georg Friedrich Ferdinand, 'príncipe' da Prússia e bisneto do último monarca do Império Alemão, o kaiser (imperador) Guilherme 2°.
Desde 2013, estão em andamento negociações entre a família aristocrática, o governo alemão, como também dos estados de Berlim e Brandemburgo sobre a restituição de dezenas de milhares de objetos de arte, direito de moradia gratuita no Palácio Cecilienhof de Potsdam e pagamentos de indenizações após expropriações depois da Segunda Guerra Mundial.
Todas as partes envolvidas estão buscando um acordo extrajudicial legalmente vinculativo. No entanto, ainda não se sabe se ele será alcançado. Segundo a revista alemã Der Spiegel, o Estado apresentou um esboço de contrato meses atrás, mas a família Hohenzollern aparentemente reagiu com uma contraproposta de várias centenas de páginas.
O Ministério da Cultura em Berlim, liderado por Monika Grütter, disse que essa contraproposta não seria "uma base adequada para negociações promissoras".
Lista de reivindicações reais
A lista de reivindicações é longa e diversificada. Entre outras coisas, Georg Friederich exigiu um "direito habitacional permanente, gratuito e protegido por registros de terras" no Palácio Cecilienhof de Potsdam, de propriedade da Fundação dos Palácios e Jardins Prussianos em Berlim-Brandemburgo. De importância histórica, o prédio do palácio foi reformado recentemente com dinheiro dos contribuintes. Foi neste local, em 1945, que foi realizada a Conferência de Potsdam, onde líderes dos aliados discutiram o destino da Alemanha derrotada.
A Spiegel também informou que o Palácio Lindstedt em Potsdam, declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 1999, poderia ser um objeto de restituição alternativo para o "príncipe", além da Vila Liegnitz, nos arredores do Palácio Sanssouci. Mas a sofisticada restauração dessa última propriedade está atualmente em andamento, com financiamento público de quase 8 milhões de euros (37 milhões de reais).
Há também a demanda pela restituição de dezenas de milhares de pinturas, gravuras, esculturas, objetos de porcelana, medalhas, móveis, livros e fotografias – itens de grande valor e significado histórico.
Estes incluem o ornamentado Neuwieder Kabinett (Gabinete de Neuwied), cômoda feita por David Roentgen e uma das mais grandiosas peças de mobiliário já executadas na Europa; obras de artistas conhecidos, como os pintores Friedrich Tischbein e Lucas Cranach, o Velho e o Jovem; vestuário usado pelo imperador Guilherme 1°; e a poltrona em que morreu Frederico, o Grande, rei da Prússia.
Museus temem fechamento
A maioria dos objetos está sob os cuidados da Fundação de Palácios e Jardins Prussianos de Berlim-Brandemburgo, da Fundação do Patrimônio Cultural da Prússia e do Museu Histórico Alemão. Mais de uma dezena de museus, arquivos e bibliotecas temem que partes de suas coleções possam ser comprometidas.
Samuel Wittwer, diretor da Fundação de Palácios e Jardins Prussianos, disse à Spiegel que o Jagdschloss Grünewald (castelo de caça de Grünewald), em Berlim, e o Novo Pavilhão nos jardins do Palácio de Charlottenburg teriam que fechar se a família Hohenzollern obtivesse tudo o que está reivindicando.
DW entrou em contato com o advogado dos Hohenzollern, Markus Hennig, sobre a afirmação de Wittwer, porém ele se recusou a comentar sobre esta e outras questões relacionadas às extensas reivindicações de restituição do "príncipe" prussiano.
Hennig disse, no entanto, à agência de notícias alemã dpa que, ao contrário de vários relatos, seu cliente pretenderia manter os itens reivindicados em museus públicos. "Do ponto de vista da Casa [de Hohenzollern], o objetivo principal é preservar as coleções nos museus existentes e continuar a torná-las acessíveis ao público", declarou o advogado.
Posteriormente, Hennig também alertou contra uma "escandalização" do assunto e pediu por respeito ao seu cliente.
Interpretando a história
Henning acrescentou ainda que os herdeiros reais estão interessados no estabelecimento de um "Museu Hohenzollern", no qual as obras em questão possam ser exibidas. Mas qualquer instituição desse tipo poderia ser altamente controversa, já que a família Hohenzollern teria voz em todas as exposições, publicações e eventos do museu que apresenta sua própria história.
Um século após a abdicação do último soberano alemão, o imperador Guilherme 2°, alguém poderia pensar que a questão da posse do legado dos Hohenzollern já teria sido esclarecida há muito tempo. No entanto, a origem da atual disputa permanece relacionada ao momento em que a monarquia constitucional prussiana chegou ao fim e a democracia parlamentar se iniciou na Alemanha.
As posses imperiais de Guilherme 2° foram confiscadas pela jovem República de Weimar em 1918. Mas enquanto os descendentes dos Hohenzollern recuperaram um grande número de castelos e propriedades – incluindo o Palácio Cecilienhof, onde o jovem "príncipe" agora gostaria de viver – em 1926, eles os perderam novamente em 1945 após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Como a maioria das propriedades dos Hohenzollern estava localizada no território ocupado pelos soviéticos, desta vez a família Hohenzollern foi expulsa pelo regime comunista que governou a Alemanha Oriental até 1989.
Em busca de uma solução duradoura
O Tratado de Reunificação de 1990 reconheceu a desapropriação de terrenos e edifícios como ilegal, mas não a expropriação de inventário. Em princípio, a família Hohenzollern tem direito aos objetos abrangidos pelo tratado, bem como à indenização pela expropriação.
A única exceção: se um tribunal decidir que a família Hohenzollern "favoreceu consideravelmente" o regime nacional-socialista. A Lei de Indenizações da Alemanha, de 1994, que regula o pagamento de expropriações de terras após 1945, exclui a indenização nesse caso.
Mas ainda não se chegou a uma conclusão sobre o nível de colaboração da Casa de Hohenzollern junto aos nazistas, apesar do fato de o príncipe herdeiro prussiano, filho do imperador Guilherme 2°, ter apoiado Hitler nos anos 1930.
Além disso, a base das reivindicações de indenização também é, em parte, rejeitada devido à cumplicidade dos Hohenzollern na Primeira Guerra Mundial, já que foi o imperador Guilherme 2° quem assinou a ordem de mobilização alemã.
Para o site da emissora pública alemã de rádio RBB24, o jornalista Tomas Fitzel escreveu um artigo intitulado A nobreza é má, argumentando que os descendentes reais mereciam pouca coisa, depois que o imperador "mergulhou a Europa no abismo e sofreu uma completa derrota."
Opiniões como essa, além da ambiguidade legal e histórica e do debate sobre a implicação das reivindicações de restituição dos Hohenzollern para museus públicos, parece indicar que é improvável que a questão seja totalmente resolvida em breve.
Apesar disso, as partes envolvidas – a Casa de Hohenzollern, o Ministério da Cultura da Alemanha e os estados de Berlim e Brandemburgo – enfatizaram seu desejo de tentar alcançar uma solução amigável. As negociações continuam.
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