Protestos revelam insatisfação dos brasileiros com a Fifa
21 de junho de 2013A Fifa não foi esquecida durante a onda de protestos que assola o Brasil. A população aproveitou a Copa das Confederações para mostrar à entidade máxima do futebol que não está satisfeita com suas determinações e o andamento dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014.
A situação mais extrema aconteceu em Salvador, onde dois ônibus da federação foram apedrejados nesta quinta-feira (20/06) e alguns manifestantes tentaram invadir o hotel onde estavam hospedados funcionários da entidade.
No evento de abertura da Copa das Confederações, no sábado passado, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, foi vaiado no Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Manifestações têm acontecido perto dos estádios onde há jogos da competição.
"A Fifa se comporta no Brasil como ela vem se comportado em todas as regiões do mundo nas últimas décadas: como chantagista", afirma o jornalista esportivo Andreas Rüttenauer, do jornal alemão die tageszeitung (taz), de esquerda.
A Copa do Mundo cresceu e se tornou um evento desejado no mundo inteiro, argumenta. Por causa disso, a federação conseguiu que os países "implorem para organizar o evento. Cada vez se torna mais claro que a Fifa é uma entidade corrupta, e os países se ajoelham perante essa entidade corrupta", afirma Rüttenauer.
Da festa à decepção
O anúncio da escolha do Brasil para receber a Copa de 2014 causou alvoroço no país. Mas essa alegria durou pouco. Quanto mais se aproxima a data do evento, maior a insatisfação de muitos brasileiros.
"A população está insatisfeita pelo que a Fifa simboliza e por desinformação, pois não sabe como funciona uma candidatura e acha que a entidade está impondo coisas não previstas", diz o jornalista esportivo Juca Kfouri, um dos maiores críticos dos gastos excessivos com a Copa do Mundo de 2014.
Quando um país se candidata ao processo de seleção para a realização de uma Copa, ele se submete às regras da Fifa para ser escolhido como sede desse evento. Também o Brasil, quando se candidatou, sabia que teria de atender a várias exigências, principalmente em relação aos estádios.
Para Rüttenauer, os países erram ao não tentar negociar com a Fifa. "Os países deveriam ter uma posição mais forte, o que levaria a Fifa a conseguir realizar seus eventos somente em Estados autocráticos. Assim a Copa perderia um pouco de importância, e o papel dos países seria mais forte", argumenta o jornalista.
Rüttenauer diz que também na Alemanha faltou transparência na realização da Copa. "Ninguém soube o que foi acertado com a Fifa. Havia garantias do governo, e a maioria delas era secretas." O jornalista considera importantes os protestos direcionados contra a entidade. "Os fãs do futebol não desejam mais que a Fifa diga como os jogos devem ser."
Uma situação delicada
Uma das principais críticas ouvidas nos protestos pelo Brasil são os custos para a construção e reformas de estádios. Estádios em boas condições, como o Maracanã, foram reformados para atender ao padrão Fifa. A obra no Rio de Janeiro, inicialmente orçada em 600 milhões de reais, ultrapassou os 900 milhões de reais.
Até os nomes das arenas são impostos pela entidade. Por exemplo, ela não usa o nome Mané Garrincha quando se refere ao estádio de Brasília em seu site oficial. A Fifa é contrária ao antigo nome, pois entende que os estádios devem ter nomes internacionais.
"Estão sendo construídos estádios, sendo realizadas obras viárias, mas não há retorno social. Isso tem gerado muita insatisfação", diz Benedito Barbosa, do Comitê Popular da Copa de São Paulo.
Pressão de todos os lados
A relação entre governo brasileiro e a Fifa também é bastante delicada. "São relações frias, quase formais, apenas", opina Kfouri. A entidade criticou em vários momentos o andamento das obras, de estádios ao setor do transportes. O secretário-geral da Fifa, Jérome Valcke, chegou a dizer que o Brasil merecia "um chute no traseiro", em março de 2012, para que as obras andassem mais rápido.
As declarações levaram o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a afirmar que não desejava mais o secretário como interlocutor da entidade para assuntos relacionados à Copa. Na ocasião, a Fifa pediu desculpas ao governo pela declaração.
A Fifa também se irritou com o texto e a demora na aprovação da Lei Geral da Copa, argumentando que o governo havia se comprometido a atender algumas exigências da entidade quando assinou o documento que assegurava ao país o direito de realizar o evento.
A presidente Dilma Rousseff modificou alguns pontos da lei, o que integrantes da Fifa perceberam como arrogância do governo. Havia discordância em três aspectos: marcas – todos os pedidos de uso de expressão que fazem referência à Copa deveriam ser aprovados sem passar pela avaliação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial –, direitos de transmissão – uso exclusivo de imagens apenas para empresas que pagassem –, e venda de ingressos – proibindo a lei de meia entrada.
Em junho do ano passado, a lei foi sancionada com as alterações do governo. Porém, alguns pontos continuam favorecendo a Fifa e prejudicando o Brasil, como nos artigos que responsabilizam o governo brasileiro por prejuízos causados por terceiros e fenômenos da natureza e o que isenta a entidade e suas subsidiárias do pagamento com gastos com processos e despesas judiciais.
Ou seja, a União é responsável por pagar indenizações à Fifa, a seus parceiros, a torcedores que se sentirem lesados por algo que não funcionou durante a realização do evento ou pelos protestos que acontecem no momento.
Nesta terça-feira, a Procuradoria Geral da República entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra esses artigos, além daquele que concedeu auxílio financeiro aos jogadores brasileiros campeões do mundo em 1958, 1962 e 1970.