Protesto no Rio volta a pôr em questão preparo da polícia
7 de fevereiro de 2014"O protesto começou de forma pacífica. Mas logo explodiram atrás de mim as primeiras bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo. O pânico era generalizado, e tentei junto com a multidão ir para a estação e passar pela polícia, que batia sem controle. Tentei sair e, com um golpe, um policial bateu na câmera que estava em minhas mãos. Tentei juntar as peças e tomei um golpe na barriga e outro nas costas. A polícia reagiu de maneira absolutamente exagerada."
O relato é do correspondente da Deutsche Welle no Rio de Janeiro, Philipp Barth, que cobria o protesto realizado na quinta-feira (06/02) à noite contra o aumento do preço da passagem de ônibus na cidade. A manifestação, no início pacífica, transformou a região da Central do Brasil num palco de violência e voltou a colocar em questão atuação da polícia.
"Os fatos falam por si só e têm demonstrado cabalmente que as polícias militares não sabem lidar com manifestações da sociedade civil", afirma Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos. "As polícias não só não estão preparadas como parecem não entender o grau de violência e ilegalidade que têm perpetrado contra a população."
Estudo aponta falta de treinamento
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizada junto a policiais militares e civis de todas as regiões do país revelou que as próprias forças de segurança se sentem despreparadas para agir diante de grandes manifestações. Na sondagem, 64% dos entrevistados admitiram não ter recebido orientações e treinamento adequados para lidar com protestos e com o movimento Black Bloc.
A pesquisa, realizada entre 26 de novembro de 2013 e 14 de janeiro de 2014, mostrou também que 69% dos entrevistados afirmaram que agiram durante as manifestações como foi possível – ou seja, de forma improvisada, devido às circunstâncias do momento. A pesquisa contou com a participação de 4.499 policiais militares e 805 policiais civis.
"Quando os próprios policiais reconhecem isso, embora formalmente as instituições policiais não admitam, fica evidente que a falta de preparo pode levar a excessos", afirma Tião Santos, coordenador da ONG Viva Rio. "Então situações como essa, não só a de ontem [quinta-feira], tem a ver com a falta de formação que os policiais estão tendo não só em cidades como Rio e São Paulo, mas em todo o Brasil."
O motivo das manifestações desta quinta-feira foi o aumento de R$ 0,25 nas passagens de ônibus, levando o preço para o valor de R$ 3. A nova tarifa, anunciada pelo prefeito Eduardo Paes na semana passada, deverá entrar em vigor neste sábado. Não se descarta que a mudança leve a mais protestos.
Para o diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, Átila Roque, o recrudescimento da violência nos protestos preocupa. Ele diz que os protestos têm caminhado para confrontos violentos, com uso excessivo e desproporcional de força pela polícia.
"Um trabalho de inteligência policial mais qualificado certamente ajudaria a polícia a identificar aqueles que estão ali com objetivos outros que não sejam de realizar um protesto pacífico", afirma.
Desde junho, mais de cem repórteres feridos
A confusão durante a manifestação começou no momento em que policiais tentaram retirar manifestantes que pulavam as catracas da estação de trem da Central do Brasil usando golpes de cassetetes. Os manifestantes revidaram jogando pedras e, assim, o tumulto começou. A polícia deteve 28 pessoas e dois policiais foram feridos a pedrada, sem gravidade. Quatro civis ficaram feridos e levados a um hospital.
Entre os feridos está o cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da emissora Band. Ele foi atingido na cabeça por um explosivo e permanece em estado grave no CTI. O profissional, que está em coma, teve afundamento do crânio e perdeu parte da orelha esquerda. Ainda não se sabe se a bomba foi lançada por um policial ou um civil.
O cinegrafista faz parte de um retrospecto preocupante de violência contra repórteres. De acordo com dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), somente em 2013, 116 profissionais foram feridos em todo o país durante a cobertura dos protestos que ocorreram em junho e julho.
"De maneira geral, a polícia não está preparada. Ela enxerga os jornalistas de uma maneira indesejável, ou seja, a cobertura que eles estão fazendo ali de alguma maneira os expõem", diz o presidente da Fenaj, Celso Schröder. "A polícia não conseguiu se livrar de uma tradição de ações ocultas, protegidas por um manto de impunidade, de proteção corporativa e, inclusive, isso se expressa nessa violência em que os jornalistas também são vítimas."
De acordo com dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), somente neste ano, quatro jornalistas foram alvo de agressão durante protestos – sendo que, em relação ao cinegrafista da Band, a autoria ainda é incerta. O secretário-executivo da associação, Guilherme Alpendre, diz que a maioria dos jornalistas agredidos em protestos foi alvos de forças de segurança.
"Esta constatação é preocupante, porque se trata de um braço do Estado voltando-se contra direitos fundamentais: liberdade de expressão e acesso à informação", diz Alpendre. "É preciso que o Estado – os Poderes Executivo e Judiciário – procure, encontre e puna os responsáveis por essas violências."