Projeto alemão visa afastar jovens muçulmanos do salafismo radical
19 de dezembro de 2013Os números indicam uma tendência clara: existem quase 5.500 salafistas na Alemanha, e a comunidade está crescendo. Somente no estado da Renânia do Norte-Vestfália, ela duplicou para 1.500 integrantes em um ano, segundo dados do Departamento Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla em alemão).
O salafismo, em si, não é militante, mas prepara o terreno para a radicalização, ressalta o BfV. Seus seguidores pregam uma imagem tradicional do islamismo, alguns querem mudar a sociedade segundo esse modelo, porém apenas uma minoria estaria disposta a impor esse objetivo por meios violentos.
Sobretudo os jovens se sentem atraídos pelo salafismo, por exemplo através dos discursos de pregadores ou da participação em congressos e manifestações. O recrutamento também transcorre na internet, em plataformas como Facebook, Twitter e YouTube.
Deste modo, não cresce só o número de adeptos, mas também a radicalização, assinala o diretor do BfV, Burkhard Freier, segundo o qual essa mudança está relacionada tanto à propaganda maciça quanto à crise na Síria. No momento, mais de 220 islamistas da Alemanha se encontram naquele país, e provavelmente alguns voltarão para a Europa como jihadistas violentos.
"Orientador"
O projeto Wegweiser ("orientador", em alemão), contudo, pretende atuar bem antes que ocorra essa transformação. O programa de prevenção do governo da Renânia do Norte-Vestfália será inicialmente implantado nas cidades de Bonn, Bochum e Düsseldorf.
"Queremos tentar evitar que salafistas e jovens fundamentalistas islâmicos sequer entrem nesse meio", diz Freier. Para tal, porém, é preciso primeiro saber o que desperta o interesse desses jovens: o BfV entrevistou e analisou o currículo de 130 convertidos que circulam nos meios salafistas.
"Nós constatamos que eles entram para organizações salafistas de muitas maneiras e pelos motivos mais diversos. A ideologia salafista raramente é o fator decisivo", afirma Freier. Falta de reconhecimento, desorientação e isolamento são, antes, os fatores decisivos nessa escolha – e aqui, aliás, há um paralelo com os jovens que se tornam extremistas de direita.
Decisão depende do momento
"O momento da abordagem certamente também é relevante", afirma o especialista em estudos islâmicos Michael Kiefer. Se os jovens que foram para a Síria não tivessem entrado em contato com salafistas, talvez escolhessem outro grupo para participar: tudo depende de a proposta ser atraente para eles.
"A mensagem dos salafistas é: 'Se você vem para nós, está do lado certo, segue a palavra de Deus e não é um desses infiéis que vão parar no inferno.' Além disso, há uma espécie de camaradagem: a pessoa não está sozinha, discute sobre o mundo e partilha de uma mesma visão dele."
O projeto Wegweiser contará com a participação de assistentes sociais, funcionários do conselho tutelar e das escolas, além das comunidades muçulmanas e, possivelmente, de clubes esportivos e igrejas. Pois, no entender de Kiefer, o "novo salafismo", propenso à violência, é um problema da sociedade em geral e não somente da comunidade muçulmana.
O interlocutor central no programa de prevenção será o "orientador", uma pessoa integrada à comunidade e aceita por ela, que tenha sensibilidade para lidar com jovens e capacidade de reconhecer se os seus problemas se originam na família, na escola ou em outro lugar.
Independente disso, continuará funcionando a linha telefônica, que existe desde 2012, para aconselhamento de pais e professores sobre o tema. Segundo Freier, entre cinco e dez ligações são recebidas por semana.
Alemanha engatinha na prevenção
O diretor do BfV da Renânia do Norte-Vestfália espera que o projeto seja colocado em prática nas cidades-piloto no decorrer do próximo ano. Ele admite que muito dependerá de learning by doing – "aprender fazendo" –, pois na Alemanha quase não existem pesquisas científicas sobre a radicalização.
O especialista no Islã Michael Kiefer comenta que o Reino Unido, por exemplo, está bem mais avançado nesse setor. Na sequência dos atentados terroristas de 2005, somente em 2007 e 2008 investiram-se bem mais de 140 milhões de libras em prevenção.
Os programas ingleses se assemelham ao "Orientador": caso um jovem manifeste tendências ao radicalismo, funcionários do conselho tutelar e assistentes sociais procuram influenciá-lo. Mas para isso é importante que pais, professores, colegas de escola ou empregadores estejam atentos, informando às autoridades sobre eventuais mudanças de comportamento.
Apoio especializado
Ao contrário do que acontece com grupos da direita radical, não existem programas para salafistas dissidentes. Segundo Kiefer, isso é porque o fenômeno do salafismo violento existe há apenas dois ou três anos. Além disso, não é fácil colocar em contato os dissidentes e aqueles que os podem ajudar.
"Uma orientação para detentos neste sentido poderia ser útil. Especialmente jovens infratores correm o risco de se converter ao salafismo violento, por isso precisamos de um melhor acompanhamento religioso muçulmano nas prisões", propõe Kiefer.
Segundo o especialista, projetos de prevenção não visam impedir ninguém de escolher sua religião. "Naturalmente há várias formas de salafismo, como a puritana, que não têm qualquer afinidade com a violência. O direito a seu exercício é garantido pela liberdade religiosa, que é um princípio constitucional valioso."