ProSavana leva medo de conflitos de terra a Moçambique
3 de julho de 2013O ProSavana é um dos principais projetos de cooperação do Brasil na África e prevê a adaptação do modelo de produção agrícola do cerrado brasileiro às savanas tropicais do corredor de Nacala, no norte de Moçambique. Trata-se de uma área de 14 milhões de hectares.
A parceria fechada entre os governos de Moçambique, Brasil e Japão há quatro anos poderá mudar radicalmente a vida de 4 milhões de pequenos produtores rurais moçambicanos, mas ainda não existe clareza sobre os benefícios para a população – o que faz com que especialistas e a sociedade civil do país vejam o megainvestimento com desconfiança e apreensão.
Culturas de soja, projetos de reflorestamento com impacto social negativo, casos de expropriação e vastas produções de algodão para exportação já existentes em Nacala também embasam a tensão provocada pelo programa.
Histórico preocupante
O especialista em Economia Agrária do Observatório do Meio Rural de Moçambique, João Mosca, acredita que a região de Nacala vai viver um processo de desenvolvimento voltado para o exterior e dependente de investimentos estrangeiros. Segundo estudo da consultoria ambiental americana Oakland, somente entre 2004 e 2009, cerca de 2 milhões e meio de hectares de terras de Moçambique foram concedidos a investidores estrangeiros de países como África do Sul, Austrália, Portugal, Suécia, Noruega e Índia. Isso corresponderia a 7% da terra arável do país.
Muitos destes projetos envolvem reflorestamento, produção de biodiesel e açúcar. O ProSavana deve ampliar esta estatística em uma área sete vezes maior.
As dimensões gigantescas do ProSavana despertam o apetite de investidores privados. Para canalizar esses interesses, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) auxilia na criação do chamado Fundo de Nacala – que é uma iniciativa de setores privados no valor inicial de 2 bilhões de reais.
Conforme o site da FGV, o fundo deve atrair investimentos "para o desenvolvimento do agronegócio e da produção de alimentos na região".
O representante da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) no ProSavana, Yuri Wofsi de Souza, nega que o fundo tenha ligação direta com o projeto. "Trata-se de uma iniciativa independente", explica. Souza também nega que o projeto direcione ou delimite porções de terra para produções específicas. Ele diz que o ProSavana faz uma análise da potencialidade agrícola, pecuária e de culturas para a região.
O representante da ABC ressalta que o programa considera preocupações relacionadas à vulnerabilidade social das comunidades, impacto ambiental e recomendações de sistema de cultivo mais apropriado. "É um trabalho sistematizado de dados que permitirão ao governo moçambicano ter uma visão completa do que pode ser recomendado para o investimento", explica Souza. A ABC prevê que as atividades técnicas do ProSavana custarão 14 milhões de dólares nos primeiros cinco anos.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também já realiza atividades com técnicos do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique em 800 pequenos campos-teste de um quarto de hectare no país para transferir e adaptar as tecnologias de produção desenvolvidas no cerrado brasileiro.
Tendência global
O ProSavana cobrirá uma área que conecta a região de Nacala à província de Niassa, no nordeste de Moçambique, atravessando uma zona de planalto de grande potencial produtivo e rica em recursos hídricos. O especialista João Mosca explica que a região também é atraente para o agronegócio porque inclui o corredor ferroviário de Nacala, que liga o porto de Nacala à província de Niassa e ao Maláui.
O especialista moçambicano conecta o ProSavana com a tendência internacional de aquisição de terras para uso em longo prazo. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), comandada pelo brasileiro José Graziano da Silva, já identifica que o fenômeno do Land Grabbing (aquisição de terras por meios ilegais ou ilegítimos) colocaria em risco a segurança alimentar e aumentaria o preço dos alimentos.
"Isso acontece na África e em Moçambique. Já ocorrem apropriações de terras [por corporações estrangeiras] em longo prazo. São áreas com importantes reservas de água. As terras de Nacala estão praticamente reservadas para as corporações brasileiras e japonesas. Vão existir conflitos de terra com certeza", calcula João Mosca.
Mesmo com a ocorrência do Land Grabbing em Moçambique, denunciada por Mosca, a parceria brasileira aposta na legislação moçambicana, que, segundo Souza, ofereceria "salvaguardas" contra o fenômeno.
Souza diz que o ProSavana está conectado com a legislação do país. Ele ressalta que o programa prevê que "todas as ações do ProSavana e futuros investimentos recomendados têm que estar enquadradas nos princípios de investimentos responsáveis da agricultura", que têm sido discutidos no âmbito da FAO.
Como o ProSavana pode ser útil
Dados de entidades moçambicanas do setor agrícola identificam que mais de 80% da população vive da agricultura familiar, respondendo pela produção de mais de 90% da alimentação do país.
Mosca diz que o ProSavana é visto como um programa de agricultura para exportação de soja, milho e algodão. "É uma zona de densidade populacional elevada. Um projeto que exige de mil a 10 mil hectares certamente vai demandar deslocamento de populações", explica o especialista.
Ele acha que projetos destinados para exportação não interessariam para Moçambique porque o país sofre com o déficit alimentar. A carência estaria centrada em produtos alimentares transformados, de segunda geração.
"O elemento fundamental da pobreza em Moçambique reside no déficit nutricional. A produção nacional de alimentos por habitante tem caído nos últimos 20 anos. Os grandes projetos transnacionais não estão suprindo esta demanda", destaca.
Também não existem processos de armazenamento e transformação de produtos para conservação e estoque em Moçambique. Conforme o Índice de Risco Climático da organização não governamental alemã Germanwatch, no continente africano, Moçambique é o país mais afetado pelo aquecimento global e isto tornaria a questão ainda mais urgente.
Mosca acredita que o ProSavana seria favorável para as comunidades locais caso apresentasse claramente um processo de desenvolvimento inclusivo, "promovendo reassentamentos em condições iguais ou melhores do que as terras anteriores e com processos produtivos e tecnologias não nocivas para o ambiente", afirma.
Tática de resistência brasileira
E é exatamente isto que não tem acontecido nos projetos agrários estrangeiros em Moçambique. As concessões de terras a estrangeiros têm gerado conflitos nas comunidades deslocadas porque os reassentamentos não satisfazem os agricultores pelas dificuldades de produção e adaptação nas novas terras.
O presidente da União Nacional dos Camponeses moçambicanos (UNAC), Augusto Mafigo, teme que o ProSavana signifique novas desapropriações de terras de pequenos agricultores. "Eles ainda não discutiram conosco qual será o impacto deste projeto para os pequenos agricultores".
Mafigo destaca os laços fortes da UNAC com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil. "Algumas companheiras moçambicanas já participaram de ações em grandes propriedades brasileiras. Eles vêm para cá e nós vamos para lá." O presidente da UNAC também diz que integrantes da Agência de Cooperação Japonesa (JICA) informaram que o projeto teria uma primeira parceria com donos de grandes proprietários de terra do país – um dado que o preocupa.
"Se não houver nenhuma informação concreta sobre o nosso futuro, não descartamos usar o mesmo expediente de luta do MST no Brasil, com invasões de propriedades. Não queremos agricultores sem terra no nosso país".
Já o representante da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) no ProSavana, Yuri Wofsi de Souza, acha que a ansiedade dos produtores deve diminuir com a implantação do terceiro eixo do ProSavana, chamado de Modelo de Desenvolvimento e Extensão Rural. Trata-se de uma etapa que começou há pouco tempo, vai durar seis anos e tem como foco os agricultores. "Conversaremos com organizações, associações, cooperativas e diferentes grupos de produtores", explica.
O representante da ABC acrescenta que a idéia do ProSavana é montar um plano diretor para a agricultura da região seguindo a legislação local, o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Sector da Agricultura de Moçambique (PEDSA) – de autoria do governo moçambicano.
"O ProSavana não prevê atividades nem recomenda expropriação de terra. Nossa preocupação é de que eles [as organizações da sociedade civil] façam parte do processo de desenvolvimento", diz Souza.
O presidente de Moçambique, Armando Gebuza, respondeu à carta aberta publicada por mais de 137 organizações da sociedade civil moçambicana, brasileira, japonesa e de outros países da África e da Europa contra a "facilitação de transações comerciais obscuras e usurpação de terras comunitárias", alegadamente produzida pelo ProSavana.
Guebuza disse à imprensa moçambicana que o projeto não prevê "a retirada de terra dos camponeses", mas que, contrariamente a isso, "o objetivo é disponibilizar a terra aos camponeses com título de propriedade e torná-la mais produtiva para beneficiar aos próprios camponeses."