Os ataques do presidente Jair Bolsonaro contra a mídia já viraram rotina. Suas declarações de guerra contra a mídia são compartilhadas por seus apoiadores radicais. É assustador como alguns fãs de Bolsonaro desejam que jornalistas deixem o país ou, melhor ainda, sejam logo mandados para o paredão de fuzilamento. Os insultos sexistas de Bolsonaro e seus filhos contra jornalistas do sexo feminino também se repetem constantemente – e geralmente ficam impunes.
Não é de se admirar que o Brasil tenha recebido uma má pontuação na última pesquisa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. Desde que Bolsonaro chegou ao poder, o Brasil vem caindo algumas posições a cada ano no ranking de liberdade de imprensa. Atualmente, o país ocupa o 111º lugar entre 180 países. Pela primeira vez em 20 anos o Brasil aparece em vermelho no mapa mundial da organização.
"O trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018", escreve a prestigiosa organização. Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro.
Lula ecoa críticas à mídia
E mais assustador ainda é o fato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como provável candidato à Presidência, não só exija a regulamentação da mídia no Brasil como tenha passado as últimas semanas fazendo críticas pesadas contra a imprensa. Em entrevista à DW e à rede de TV alemã ARD ele disse logo no início: "Uma parte do que nós estamos vivendo hoje com o governo Bolsonaro, com o fascismo, o nazismo e a ultradireita fazendo tudo errado, tem muito a ver com o comportamento que a imprensa teve nos últimos anos, negando a política."
Lá vem o velho reflexo do Partido dos Trabalhadores (PT): responsabilizar a mídia como portadora de más notícias pelos seus próprios erros. Nos 13 anos do PT no governo houve repetidas tentativas de controlar o poder da mídia ou de criar instrumentos para ampliar a divulgação da perspectiva do governo.
Logo após a posse de Lula em 2004 houve a tentativa fracassada de criar um Conselho Federal de Jornalismo, para "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade do jornalismo". Nós, da imprensa internacional, também deveríamos nos registrar e obter uma autorização para continuar trabalhando como correspondentes no Brasil.
Paralelos com a Venezuela?
Lula agora diz que foi um grande erro seu não ter levado essa proposta ao Congresso – argumentando, de forma arrepiante, que a mídia supostamente tinha destruído Hugo Chávez na Venezuela. "Eu vi como a imprensa destruía o Chávez. Aqui eu vi o que foi feito comigo."
Bolsonaro volta e meia se pinta como vítima da mídia.
Como correspondente, eu lembro como Lula zombou dos jornalistas presentes no 5º Congresso Nacional do PT em Salvador, em 2015. Ele estava contente porque a mídia já não comparecia mais em peso. Os jornais logo se tornariam supérfluos, porque ninguém mais estava disposto a pagar por suas mentiras.
Ainda que eu veja grandes diferenças entre Lula e Bolsonaro em suas respectivas relações com a democracia, é preocupante que um candidato potencial à Presidência já esteja falando em diminuir a influência da mídia – embora seja evidente o quanto o nosso trabalho ficou mais difícil sob um governo cada vez mais autoritário como o do presidente Bolsonaro.
As perspectivas não são nada boas para a liberdade de imprensa e, com isso, para a democracia no Brasil.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.