Presentes: êxtase e terror natalino
16 de dezembro de 2003Stress: uma palavra usada e abusada pelos alemães, quer em relação ao trabalho, relacionamentos, burocracia, viagens ou lazer. E qual época mais apropriada para um bom estresse de compras do que o Natal? Lojas abarrotadas, o tormento da escolha, a procura sem fim, os preços impossíveis, o trauma do euro ainda não superado. Mas uma estrela brilhou em Belém e, apesar de todos esses obstáculos, a secular tradição dos presentes natalinos mantém-se viva na Alemanha.
Não sem algumas mudanças drásticas. Até há alguns anos, a ênfase ficava na tranqüilizadora repetição do ritual da troca de prendas, possivelmente confeccionadas pela própria pessoa que presenteava, sem que importasse tanto o valor material do objeto. Hoje, Papai Noel tem que estar pronto a transportar videogames e aparelhos eletrodomésticos.
No Natal de 2002, os alemães gastaram aproximadamente oito bilhões de euros em presentes e decoração. Os clássicos, como velas, guirlandas de luzes e sabonetes em forma de anjos, continuam sendo os campeões de venda. Mas enquanto as crianças também querem jogos de montar, como Lego e Playmobil, os adultos adicionaram a suas listas de desejos diversões eletrônicas, máquinas de café expresso e produtos de perfumaria.
Em nome da paz e da harmonia
A rigor, gastos inúteis. Pois numa sociedade industrial próspera como a da Alemanha, a maioria dos adultos pode comprar para si tudo de que precisa, lembra Friedrich Rost, professor de Pedagogia da Universidade Livre de Berlim. Porém não esqueçamos que a troca de oferendas mantém um significado psicológico mais profundo, ancorado nas vivências infantis, no prazer de receber. Além disso, dar algo voluntariamente estabiliza as relações interpessoais, contém animosidades e ajuda a superar conflitos.
Quem dá quer fortalecer seus laços familiares e de amizade, e ao mesmo tempo documentar a própria generosidade. O que só funciona, é óbvio, se o presente for adequado. Na época de Natal, portanto, quando a necessidade de harmonia é enorme, as dificuldades da procura se potencializam. O objeto tem que ser escolhido a mão, não ser excessivamente caro nem barato demais, correspondendo à relação entre presenteando e presenteado.
Tiro pela culatra
As complicações não acabam aí: o próprio ato de presentear está pleno de armadilhas, como assinala o etnólogo da Universidade de Munique Rainer Wehse: "É preciso conhecer exatamente o código dos presentes, a norma. E este se desenvolve dentro de um grupo social bem definido, numa região, num país. Usando um termo antiquado: é algo que faz parte das boas maneiras".
Por exemplo, enquanto na Alemanha se ofertam flores sem embrulhar, na Inglaterra elas vêm embrulhadas, devendo ser desempacotadas imediatamente, na presença de quem as dá. Já na França elas ficam guardadas, só sendo desembrulhadas quando o presenteador se foi. "Dar presentes é um ato institucionalizado e quando se infringe qualquer das regras, vem o estresse", conclui Wehse.
Regulamentando o espontâneo
Para evitar o mau humor à sombra da árvore de Natal, muitas famílias alemãs desenvolveram suas próprias estratégias. Algumas estabelecem um valor fixo; em outras os desejos são descritos nos menores detalhes, incluindo cor, modelo e marca. Já para certas famílias a única solução é banir radicalmente os presentes.
A última alternativa é adotar sempre uma fórmula segura e infalível. Como no conto Feliz Natal, de Hugo Wiener:
Aproximava-se o 24 de dezembro. Havíamos convidado os Robinson, Goldmann e Wronski. Todos chegaram, portando seus presentes: os Robinson trouxeram um frasquinho de perfume para minha mulher e uma loção após barba para mim. Os Goldmann trouxeram um frasquinho de perfume para minha mulher e um após barba para mim, enquanto os Wronski trouxeram um frasquinho de perfume para minha mulher e um após barba para mim. Também nós havíamos providenciado presentes para nossos convidados. E assim cada dama recebeu um frasquinho de perfume e cada cavalheiro uma loção após barba.