'Sou gay e é bom que seja assim'
3 de outubro de 2007Há quem critique impiedosamente o fato de o prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, haver publicado suas memórias, aos 53 anos de idade. Os diagnósticos vão desde "senso exacerbado da própria importância" até "arrogância", ou pelo menos, "precipitação".
Embora intitulado ...e é bom que seja assim – Minha vida na política, o livro não apresenta uma nova filosofia ou idéias sobre como a Alemanha pode ter sucesso no contexto da economia globalizada.
São antes histórias sobre sua vida, a infância carente, os tempos de escola, o ingresso na vida pública, o encontro do amor e da felicidade. A política está presente, porém, num papel secundário.
Maior exposição
Agora, quem acredita tratar-se de nada além de um projeto de vaidade, redigido por alguém que aposta no poder inspirador da própria biografia, está possivelmente subestimando a esperteza política e midiática de Wowereit. De fato, outros vêem no livro um anúncio – ao público e ao seu partido, o SPD – de que a prefeitura da capital não é o ponto final na carreira política do social-democrata, assumidamente gay.
"Wowereit quer assumir um papel maior na política nacional", deduz Gero Neugebauer, professor de Ciências Políticas da Universidade Livre de Berlim. "Através deste livro ele ocupa a mídia, e as pessoas voltam a falar dele."
Pobre, porém sexy
O título do livro é uma alusão ao evento que transmutou Wowereit do dia para noite, de político local em VIP absoluto, que só por acaso também ocupa o posto de prefeito de Berlim. Durante sua campanha, em 2001, fez seu coming out público durante um discurso, com as palavras: "Sou gay, e é bom que seja assim".
De súbito, a capital tinha um dirigente em perfeita sintonia com ela: franco, disposto a riscos e ligeiramente fora do mainstream. Não havia muita indústria, e o desemprego era quase o mais alto do país, mas Berlim sabia festejar como ninguém. Oficinas de manufatura eram raras, enquanto parecia impossível jogar uma pedra sem acertar num clube ou bar.
Wowereit era presença constante vários desses lugares e em ocasiões sociais, fazendo contatos e se divertindo. Seu gabinete até criou um slogan inoficial para a cidade: "Pobre, porém sexy". A aceitação foi imediata, e com uma oposição à beira caos, sua popularidade cresceu.
Orientação sexual não é empecilho
Porém, à medida que Berlim se revela pequena demais para "Wowi", como é afetuosamente apelidado, os críticos começam a examinar seu histórico, e se perguntam se ele possui as qualidades necessárias para passar ao nível federal. E talvez um dia até se candidatar ao cargo de chefe de governo.
Sua sexualidade parece não entrar muito em questão. As manchetes têm empregado a expressão "governador gay" e os alemães parecem não se importar muito. Uma enquete recente demonstrou que 79% deles não consideram homossexualidade um empecilho no caminho da Chancelaria Federal.
"Acho que a população está mais adiantada neste assunto do que pensam os políticos", comenta Klaus Jetz, diretor da Federação de Gays e Lésbicas da Alemanha (LSVD). Ele não se surpreendeu com os resultados da pesquisa. "A sexualidade do ou da premiê não influencia a sua política."
Horror de economia
Outros argumentam que o balanço do trabalho de Wowereit em Berlim não é tão positivo, sobretudo no que se refere a atrair a indústria. O Partido Liberal (FDP) enviou recentemente ao prefeito um livro intitulado Idéias de Klaus Wowereit para maior crescimento econômico e de empregos em Berlim. Todas as páginas estavam em branco.
Por um lado, ele demonstra entusiasmo de atrair a mídia e outras empresas criativas – leia-se "sexy". Por outro, é bastante reticente no que se refere a trazer para a capital big players e, conseqüentemente, big money.
"No geral, sua atitude em relação à economia é hostil", observou Markus Löning, líder do FDP em Berlim. "Empresários interessados em investir na cidade nem conseguem agendar um encontro com ele."
Há ainda quem questione seu gabarito intelectual. O próprio Klaus Wowereit admite em seu livro jamais ter sido um grande leitor. Num questionário que preencheu no final de 2004, o prefeito não soube citar a data do início da Segunda Guerra Mundial, resolver a equação "3 + 8 x 2", nem soletrar "ritmo" (Rhythmus em alemão).
Numa crítica cáustica, publicada no jornal Süddeutsche Zeitung, o correspondente Roger Boyes comentou: "Muitas vezes, Wowi simplesmente age como um adolescente entediado".
Trabalhar com o que se tem nas mãos
O cientista político Neugebauer é menos crítico quanto ao desempenho do prefeito, alegando ter ele tirado o melhor da péssima situação que encontrou, ao assumir.
Wowereit conseguiu arrancar o Partido Social Democrata berlinense da longa crise em que se encontrava. Ele deu um novo perfil internacional à capital, que resulta num afluxo incessante de turistas. Regularizou o orçamento municipal, impondo um rigoroso controle de gastos. Seu gabinete redobrou esforços no sentido de criar empregos no setor de alta tecnologia e prestação de serviços.
"Ele está trabalhando com o que tem nas mãos, e avançando passo a passo", crê Neugebauer. A mesma estratégia de uma outra política alemã: Angela Merkel. E Wowereit pode esperar, pois é jovem. Ele dificilmente enfrentará o atual chefe do SPD, Kurt Beck, mas sim aguardará os resultados das eleições federais de 2009, antes de fazer a próxima jogada.
No momento, os líderes do SPD observam de perto o prefeito da capital. Ele é considerado alguém que não segue à risca a linha do partido, mas consegue ganhar eleições. E isto é um trunfo, ressalta Neugebauer. "Wowereit só tem que esperar pelas oportunidades certas. E talvez ainda provar que tem mesmo substância"