Por que Sudeste Asiático não prioriza liberdade de expressão
2 de outubro de 2023Países do Sudeste Asiático estão classificados entre os piores do mundo em termos de liberdade de imprensa e direitos da mídia. O fechamento forçado de jornais independentes e a prisão de ativistas por seus comentários públicos se tornaram fonte de tensão entre governos autocráticos e democracias ocidentais nos últimos anos.
Governos do Sudeste Asiático – que vão desde Estados comunistas de partido único, como Vietnã e Laos, até tentativas de democracias, a exemplo de Indonésia e Filipinas – tendem a defender que precisam limitar severamente a liberdade de expressão a fim de proteger a "harmonia" nacional. E muitos de seus cidadãos concordam com isso.
Foi o que apontou o relatório "Budismo, islã e pluralismo religioso no Sul e Sudeste Asiático", do Pew Research Center, centro de pesquisas em Washington, Estados Unidos. O estudo se concentrou no papel da religião em diferentes sociedades nessa parte da Ásia.
Na seção sobre religião e política, o relatório constatou que "a liberdade de expressão e a democracia nem sempre são amplamente aceitas na região".
Classificações baixas em rankings mundiais
Tais descobertas também se refletem nos rankings globais de liberdade de imprensa realizados anualmente por organizações reconhecidas.
No último Índice de Liberdade de Imprensa, da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o Vietnã foi classificado como o terceiro pior do mundo, após China e Coreia do Norte. Mianmar, comandado por militares, também ficou entre os dez últimos países. O restante da região ficou na metade inferior do ranking, exceto a Malásia, que figurou em 73º lugar.
A deterioração dos padrões de liberdade de expressão em todo o mundo "é resultado do aumento da agressividade por parte das autoridades em muitos países e da crescente animosidade contra jornalistas nas mídias sociais e no mundo físico", afirmou Christophe Deloire, secretário-geral da Repórteres Sem Fronteiras, em comunicado.
"A volatilidade também é consequência do crescimento da indústria de conteúdo falso, que produz e distribui desinformação e fornece as ferramentas para fabricá-la."
Outro índice, o Freedom On The Net, da ONG americana Freedom House, que monitora as condições da liberdade de expressão online, mostrou recentemente que Mianmar empatou com a China no último lugar em termos de liberdade de internet. Dois outros países do Sudeste Asiático – Vietnã e Tailândia – figuraram entre os 20 países com pior desempenho.
O que a sociedade pensa sobre liberdade de expressão
O estudo do Pew Research Center difere dos rankings anuais de liberdade de imprensa por se concentrar nas opiniões de cidadãos comuns sobre questões de liberdade de expressão.
O relatório, publicado no início de setembro, envolveu pesquisas em seis países: Camboja, Cingapura, Indonésia, Malásia, Sri Lanka e Tailândia.
Em cinco dos seis países, a maioria concorda com seus governos que a "harmonia" nacional é mais importante que a liberdade de expressão.
Embora nos seis países a maioria acredite que os indivíduos deveriam ter permissão para criticar publicamente seus governos, uma porcentagem significativa na Malásia (36%) e em Cingapura (41%) disse que os cidadãos não deveriam poder fazê-lo.
Os entrevistados tiveram que escolher entre duas afirmações: "Harmonia com outros é mais importante do que o direito de expressar a própria opinião" ou "Pessoas devem ter permissão para expressar suas opiniões publicamente, mesmo que elas incomodem outros".
Somente na Tailândia a maioria (59%) colocou a liberdade de expressão na frente da harmonia social. Por outro lado, 64% dos cingapurianos, 67% dos indonésios e 69% dos cambojanos responderam que a harmonia social deve prevalecer sobre a liberdade de expressão.
"Uma combinação de tradições de harmonia social e anos de governo autoritário em muitos países do Sudeste Asiático, além de tanta pressão sobre os direitos de liberdade de expressão, teve um efeito sobre a visão da liberdade de expressão como uma prioridade", disse à DW Joshua Kurlantzick, especialista em Sudeste Asiático no think tank americano Council on Foreign Relations.
No entanto, alguns argumentos que defendem a liberdade de expressão estão "sendo transmitidos", especialmente entre a geração mais jovem, acrescenta.
De fato, a pesquisa do Pew Research Center constatou que os entrevistados mais jovens e com maior nível de instrução são mais propensos a apoiar o direito de criticar um governo e a colocar a liberdade de expressão acima das preocupações com a harmonia social.
O relatório também encontrou diferenças com base na religião. Por exemplo, enquanto mais da metade dos muçulmanos tailandeses (52%) disse que a harmonia social é mais importante que a liberdade de expressão, apenas 38% dos budistas tailandeses adotaram a mesma posição.
O que dizem os governos
Autoridades tailandesas afirmam que as rigorosas leis de lesa-majestade do país – que consideram o insulto ao monarca e à sua família direta um crime punível com três a 15 anos de prisão – são necessárias porque a instituição define a "identidade tailandesa".
Já o governo cambojano defende suas duras restrições à liberdade de expressão com acusações de que os políticos da oposição e os jornais independentes são uma ameaça à paz duramente conquistada no país, após uma guerra civil de três décadas que chegou ao fim no final dos anos 1990.
Os governos comunistas do Vietnã e do Laos afirmam que a comunidade nacional deve vir antes do direito individual de dizer o que quiser.
O governo de Cingapura, outro país multiétnico e multirreligioso que passou por "motins raciais" na década de 1960, expandiu suas leis de "discurso de ódio" nos últimos anos.
"Em Cingapura, tomamos medidas contra o discurso de ódio e o discurso ofensivo. E não permitimos que nenhuma raça ou religião seja atacada ou insultada por outra pessoa", disse o ministro do Interior, K. Shanmugam, em um discurso em 2021. "Para nós, a liberdade de expressão acaba no limite de ofender os outros."
No entanto, críticos questionam se as duras leis sobre "discurso de ódio" no Sudeste Asiático e outras legislações realmente defendem a "harmonia" social na prática.
Um relatório de 2021 do Asia Centre, um grupo de pesquisa com sede na Tailândia, diz que a introdução da "harmonia" e de outras leis perpetua "o domínio da maioria etno-religiosa, limita a liberdade de religião ou crença, e continua a amordaçar a apresentação de queixas pelas comunidades minoritárias".
"Os governos etno-religiosos dominantes na região continuam muito ávidos a explorar as divisões sociais a fim de obter ganhos políticos", acrescenta.