Por que lei anticovid não se compara à ditadura de Hitler
19 de novembro de 2020"É um dia muito incomum", diz o parlamentar social-democrata Helge Lindh enquanto se aproxima da sede do Bundestag a pé, na manhã desta quarta-feira (18/11). Ele estava se referindo à multidão de manifestantes que se reuniu em frente ao prédio do Parlamento alemão.
O objetivo deles era impedir a nova lei de proteção contra infecções, aprovada no Parlamento, destinada a tornar mais fácil para o governo introduzir rapidamente medidas de confinamento na luta contra a pandemia de coronavírus.
Várias centenas de manifestantes desafiaram as proibições de protestar nos arredores do Parlamento. Alguns até tentaram bloquear o acesso ao prédio, antes que os protestos fossem dissolvidos pela polícia.
"Deve ser possível demonstrar e criticar", diz Lindh à DW por telefone. "Mas a tolerância não pode ir tão longe para aceitar que a lei de proteção contra infecções seja equiparada ao início da ditadura nazista", afirma, se referindo à Lei Plenipotenciária de 1933 ou Lei de Concessão de Plenos Poderes de 1933.
A analogia foi feita por alguns manifestantes, incluindo por membros do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Eles afirmam que a nova lei dará poderes ditatoriais ao governo, traçando um paralelo com os acontecimentos de 1933. "Isso é cegueira para as lições da história", ressalta Lindh. "E é uma banalização completa do nazismo."
"Analogia é um disparate"
Em 23 de março de 1933, Adolf Hitler apresentou ao Parlamento uma "Lei para remediar a angústia do povo e do Reich" – a lei que veio a ser conhecida como Lei Plenipotenciária.
Era uma emenda à Constituição que dava amplos poderes legislativos ao governo. A proposta foi aprovada pelas duas câmaras do Parlamento e deu a Hitler e seu Partido Nacional-Socialista poder absoluto sobre o Estado alemão.
"O parlamentarismo morreu depois disso", sublinha Andreas Wirsching, diretor do Instituto de História Contemporânea de Munique. "Foi a autoabolição do Parlamento. E a maioria dos membros do Parlamento percebeu isso quando votou a favor da lei."
Quase 100 membros comunistas do Parlamento já haviam sido presos, estavam escondidos ou fugiram do país quando o Reichstag se reuniu para aprovar a lei. Tropas de assalto paramilitares nazistas foram posicionadas na entrada do Parlamento, pressionando os membros da Casa.
Comparar a Lei de Proteção de Infecções de hoje com a legislação aprovada naquela época é algo "puramente demagógico", segundo Wirsching. "Aquela lei tinha um objetivo: a ditadura. É por isso que a analogia é absurda."
Precedente de 1923
Ainda assim, a Lei de Proteção contra Infecções de hoje realmente transfere algum poder legislativo do Parlamento para o Executivo, o governo. Até agora, o governo alemão se baseava principalmente em decretos para enfrentar a crise de coronavírus – uma prática que foi criticada por parlamentares de todos os partidos e considerada inconstitucional por alguns.
A Lei de Proteção contra Infecções criará agora uma base legal para o governo restringir alguns direitos fundamentais consagrados na Constituição alemã em sua tentativa de combater a pandemia.
Não é um assunto trivial, admite Wirsching. De fato, uma comparação com a República de Weimar, a primeira democracia da Alemanha, que durou de 1919 a 1933, poderia ser feita, segundo ele.
O especialista ressalta que em 1923 a Alemanha enfrentava uma crise monetária, uma hiperinflação com graves repercussões econômicas e sociais. O Reichstag, então, aprovou uma Lei Habilitante, possibilitando ao governo tomar medidas financeiras, econômicas e sociais que considerasse necessárias.
A intenção era restaurar a estabilidade e salvaguardar a democracia. "Mas muitos pesquisadores hoje criticam essa Lei Habilitante de 1923, porque o Reichstag transferiu toda a responsabilidade", diz Wirsching. E dez anos depois, tornou-se um precedente para a lei imposta pelos nazistas.
Mais protestos ainda por vir
Em 1933, os social-democratas foram os únicos parlamentares que restaram no Parlamento a votar contra a Lei Plenipotenciária. Alguns deles foram perseguidos e presos. "É por isso que, como social-democrata, é particularmente amargo para mim ouvir uma comparação com esta época de hoje", diz Lindh.
O parlamentar afirma que ainda tem esperança de que o diálogo seja possível com aqueles que protestam contra as medidas de confinamento fora do Parlamento. Ele ressalta que, ao contrário da convicção dos manifestantes, a nova lei limita claramente os poderes do governo no combate à pandemia: todos os decretos do governo podem ser apenas medidas temporárias e expiram após quatro semanas.
Mas o movimento contra as medidas de isolamento social parece estar crescendo continuamente. De acordo com uma pesquisa da empresa de pesquisas Allensbach, a porcentagem de alemães que criticam as políticas anticoronavírus do governo subiu de 15% para 28% nos últimos três meses.