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Por que especialistas são contra dispensar máscara no Brasil

Luisa Frey
11 de junho de 2021

Após Bolsonaro propor fim da obrigatoriedade da proteção facial para vacinados ou pessoas que já superaram uma infecção pelo coronavírus, especialistas classificam ideia de "absurda" e "temerária".

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Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro já causou polêmica várias vezes por aparecer sem máscara em públicoFoto: REUTERS

A necessidade do uso de máscaras para conter a pandemia de covid-19 voltou a ser discutida no Brasil após o presidente Jair Bolsonaro afirmar, nesta quinta-feira (10/06), que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, preparava um parecer para derrubar a obrigatoriedade da proteção facial para já vacinados ou que já passaram por uma infecção pelo novo coronavírus.

Depois da fala do presidente, Queiroga confirmou que será feito um estudo sobre o assunto e afirmou que o ministério quer que o uso de máscara seja descartado o mais rápido possível, mas que, para isso, a vacinação no país precisa avançar.

Especialistas criticaram duramente a proposta do presidente, afirmando que este não é o momento de suspender o uso da proteção no Brasil.

O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), classificou a proposta de Bolsonaro de absurda. "Infelizmente uma declaração como essa é um incentivo para que as pessoas se infectem mais", afirmou à Folha de S.Paulo, destacando que não se pode garantir que quem já teve covid-19 não será reinfectado e que pessoas vacinadas também correm risco de contrair o vírus.

Ele ressaltou que, em países onde já se retirou a obrigação do uso de máscara para vacinados, como os EUA, o número de imunizados é maior, e mesmo assim a decisão causou polêmica.

Munir Ayub, membro do Comitê de Imunização da SBI e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC, afirmou ao portal G1 que suspender o uso da máscara no estágio atual da epidemia no Brasil seria temerário. "Mesmo a pessoa que já teve ou que já foi vacinada não está livre de se reinfectar. Enquanto estiver circulando o vírus neste nível alto, não existe essa possibilidade [de abolir o uso de máscaras]. É uma orientação apenas política, porque não tem nenhuma justificativa médica para isso", disse.

A médica infectologista Luciana Becker, no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, de São Paulo, ressaltou, em entrevista à Folha, que as vacinas protegem de casos graves e, "mesmo que o imunizado tenha uma chance enorme de ter desfecho positivo se pegar a doença, pode passar o vírus a outras pessoas".

O médico Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), aponta que, a tendência é que a imunidade se perca com o tempo e que, à medida que a pandemia avança, a probabilidade de reinfecção pelo coronavírus aumenta.

A disseminação de variantes com capacidade de driblar a imunidade induzida por uma infecção anterior, como a detectada pela primeira vez em Manaus, também aumenta a chance de reinfecção, ressaltou em entrevista ao portal Poder360.

Comparação com os EUA

A médica e pesquisadora Margareth Dalcolmo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), comparou a situação brasileira com a dos Estados Unidos.

O governo americano anunciou em meados de maio o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção na maioria das situações para pessoas que já foram completamente vacinadas contra a covid-19, numa tentativa de estimular a vacinação. Vacinados, porém, devem continuar usando máscaras em determinados ambientes fechados, como ônibus, aviões, aeroportos, consultórios médicos e hospitais.

As principais diferenças, ressaltou Dalcolmo ao G1, estão na taxa de transmissão, significativamente mais baixa nos EUA do que no Brasil, e na cobertura vacinal.

Segundo levantamento do Imperial College de Londres atualizado nesta terça-feira, a taxa de transmissão (Rt) da covid-19 no Brasil estava em 0,99 – ou seja, 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para outras 99. Quando a taxa ultrapassa a marca de 1, a situação é considerada particularmente grave. Nos EUA, a taxa estava em 0,81.

De acordo com levantamento da imprensa brasileira, 25% da população do Brasil recebeu ao menos uma dose de vacinas contra a covid-19, enquanto somente 11% estão completamente vacinados, tendo recebido duas doses. Nos EUA, 43% da população já foi totalmente imunizada. 

"Enquanto não interviermos diminuindo a transmissão na comunidade no Brasil e não obtivermos uma taxa de vacinação que, eu diria, não pode ser menor que 70%, sem dúvida nenhuma ainda estamos sob risco", afirmou Dalcolmo.

O vice-presidente da SBI, Alberto Chebabo, afirmou que além da baixa cobertura vacinal, alta taxa de infecção e circulação viral, outra diferença entre a situação epidemiológica do Brasil e dos EUA é a estação do ano. "Estamos no inverno, quando as infecções respiratórias aumentam. Exatamente o contrário dos EUA", disse o infectologista ao G1.

Para justificar a flexibilização da obrigatoriedade de máscaras para vacinados, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) afirmou que dados recentes haviam apontado alta eficácia de vacinas para evitar infecções. No entanto, a proteção contra contágios varia de acordo com a vacina.

Os principais imunizantes usados nos Estados Unidos, são os da Pfizer-BioNTech e da Moderna, ambos com tecnologia de mRNA mensageiro. Estudos indicam que os imunizantes são altamente eficazes para evitar não apenas casos sintomáticos, mas também assintomáticos e a transmissão do vírus. Dados preliminares coletados em Israel apontaram que a vacina da Pfizer é 89,4% eficaz na prevenção de infecções. O imunizante, no entanto, começou a ser aplicado no Brasil apenas no início de maio. 

Proteção individual e coletiva

Assim como outros especialistas, Dalcolmo também ressaltou que mesmo quem já foi infectado ou vacinado pode contrair o coronavírus, e, portanto, transmiti-lo. "Nenhuma das vacinas tem 100% de efetividade. As vacinas não fazem milagre quando a transmissão na comunidade está muito alta", afirmou. "Então, por favor, usem máscaras, que vão proteger a nós mesmos e àqueles com quem convivemos.”

O epidemiologista Pedro Hallal também enfatizou que a vacinação serve tanto para a proteção individual quanto para a proteção coletiva. "O uso de máscara pelos já vacinados mira na proteção coletiva, porque as vacinas previnem contra infecção e casos graves. Mas não, na mesma medida, contra a transmissão. Então, se os vacinados não usarem máscara, eles podem contribuir para a disseminação do vírus. Essa é a questão central", disse ao Estado de S.Paulo.

Ele também afirmou que as máscaras podem ser deixadas de lado somente quando a população estiver perto de alcançar a chamada imunidade de rebanho ou coletiva, ou seja, quando cerca de 70% da população tiver anticorpos. "Aqui, no Brasil, a estimativa é que nós não tenhamos nem 30% com anticorpos. Então, estamos muito longe ainda", disse.

Cientistas estrangeiros também já ressaltaram a importância do uso de máscaras mesmo após a vacinação e infecção. Em artigo publicado em março no site da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, referência global sobre covid-19, pesquisadores destacaram que não se sabe ainda se pessoas completamente vacinadas podem transmitir o coronavírus, apesar de o risco ser "certamente menor do que no caso de não imunizados".

"Para limitar a transmissão o máximo possível, usar máscaras continua sendo algo crítico, mesmo para aqueles que estão completamente vacinados até que a transmissão comunitária diminua para níveis baixos e uma elevada parcela da população esteja vacinada", afirmaram.