1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Oscar: Por que nomeação de Andrea Riseborough gerou polêmica

Scott Roxborough
2 de fevereiro de 2023

A indicação inesperada da estrela de "To Leslie" ao prêmio de Melhor Atriz agitou Hollywood. Concorrência desleal, preferência por brancos? Ou a questão é saber jogar melhor o jogo das redes sociais no século 21?

https://p.dw.com/p/4N2Tb
Andrea Riseborough em cena do filme "To Leslie"
Atuação de Andrea Riseborough como mãe alcoólatra suscitou louvores esfuziantesFoto: Momentum Picture/Picturelux/IMAGO

A Academia de Hollywood decidiu manter a chance de Andrea Riseborough ao Oscar 2023 de Melhor Atriz. Após examinar a campanha não convencional que lhe proporcionou uma inesperada candidatura por sua atuação em To Leslie, a organização anunciou nesta quarta-feira (02/02) que não iniciará nenhuma ação contra ela, nem revogará sua indicação.

No entanto, num comunicado em que não menciona o nome da atriz inglesa, o chefe da Academy of Motion Picture Arts and Sciences (Ampas), Bill Kramer, ressalvou que a investigação revelara "táticas de campanha nas redes sociais e ingerência" que causaram apreensão, e que essas táticas "estão sendo abordadas diretamente com as partes responsáveis".

Riseborough, que interpreta uma mãe dependente alcoólica, deu o golpe mais surpreendente desta temporada dos Oscars, pois sua indicação veio do nada.

As regras de campanha do Oscar proíbem quem faça trabalho de lobby para um filme ou prêmio de contatar diretamente membros da Academia, assim como "comunicação pública" que lance foco negativo sobre outras produções ou competidores.

Porém a equipe de To Leslie é acusada de usar conexões pessoais com astros de Hollywood para impulsionar a candidatura, numa "campanha de base" questionável.

Com uma ajudinha de Blanchett, Paltrow, Winslet, Norton, Theron, Stern...

Em meados de 2022, o diretor do filme, Michael Morris, e sua esposa, a atriz Mary McCormack, mostraram a produção a seu amigo, o provocador radialista Howard Stern, que a divulgou em seu programa SiriusXM. Marc Maron, igualmente do elenco de To Leslie, entrevistou Riseborough em seu podcast WTF.

Vários outros colegas famosos levantaram a bandeira do filme: Charlize Theron, Gwyneth Paltrow e Edward Norton apresentaram sessões para o público especializado. Kate Winslet e Amy Adams mediaram um "perguntas e respostas" virtual com Andrea Riseborough. Cate Blanchett – também concorrendo ao Oscar 2023 por Tár – até elogiou o trabalho da colega ao receber o Critics' Choice Awards, em 15 de janeiro.

Porém o empurrão mais ousado veio online. Na competição pelos votos da Academia, grandes estúdios de Hollywood costumam gastar milhões em publicidade televisada e impressa. Sem dinheiro para investir em propaganda tradicional, contudo, a equipe de To Leslie apelou para as redes sociais, pedindo a VIPs que postassem, tuitassem ou o que fosse, dando destaque ao filme e à atuação de Riseborough.

A revista hollywoodiana Variety enfocou numa reportagem o e-mail enviado por McCormack a diversos amigos, pedindo-lhes para "postar todo dia", desde o início da votação para as indicações, em 12 de janeiro, até o fechamento, no dia 17. Ela chegou a incluir imagens e sugerir hashtags que supostamente elevariam o alcance midiático.

"É talvez a performance mais comprometida totalmente, emocionalmente profunda, fisicamente abaladora que já vi, em um bom tempo", elogiou Edward Norton num tuíte. No Instagram, Gwyneth Paltrow afirmou que Riseborough deveria ganhar todos os prêmios, inclusive "todos os que ainda não foram inventados".

Viola Davis em cena de "A Mulher Rei"
Viola Davis em "A Mulher Rei": preterição da atriz para indicação reavivou polêmica dos #OscarsTão Brancos Foto: Sony Pictures/dpa/picture alliance

Ecos de #OscarsTãoBrancos

Quando o flime de Riseborough estreou em março de 2022, no festival de cinema americano South by Southwest, numerosos críticos elogiaram sua comovente performance. Mas, antes da campanha de base que o impulsionou para a esfera dos Oscars, praticamente ninguém havia assistido To Leslie: com meros 30 mil dólares arrecadados, ele consta entre as produções de bilheteria mais baixa já cogitadas para o troféu americano.

A atriz também esteve ausente das listas para outros prêmios consagrados – como o Globo de Ouro, o Screen Actors Guild ou o britânico Bafta – normalmente considerados como presságios para o Oscar. Mas foi indicada para os Independent Spirit Awards, que contempla filmes menores, em geral ignorados por Hollywood.

A indicação para Melhor Atriz foi tão surpreendente que ergueram-se clamores de "jogo sujo", e se acusou o diretor Michael Morris de infringir as regras de competição do Oscar. Para outros, o caso cheira, ainda, a privilégio desleal: afinal de contas, não muitos têm acesso a uma agenda de contatos tão imponente quanto a de Riseborough, Morris e McCormack.

Houve até mesmo acusações de racismo institucional, pois a atriz branca Riseborough foi indicada por uma microprodução, que não fez praticamente nenhum marketing convencional, enquanto duas interpretações de peso de duas atrizes negras – Viola Davis em A Mulher Rei e Danielle Deadwyler em Till - A busca por justiça – foram preteridas.

Isso, apesar de se tratar, ambos, de filmes maiores, de maior sucesso e de terem passado meses fazendo campanha, com sessões privadas para a Academia, promoção intensa na mídia e outros eventos.

"A gente vive num mundo e trabalha em setores que são tão agressivamente comprometidos em sustentar a 'branquitude' e perpetuar uma misoginia descarada para em relação às mulheres negras", reagiu a diretora Chinonye Chukwu à exclusão de Till.

Ela ecoava assim o sentimento que inspirou a campanha #OscarsSoWhite (Oscars tão brancos) da ativista e cinéfila April Reign, denunciando a Academia de Hollywood por sistematicamente ignorar os artistas negros.

O movimento iniciado em 2015 impulsionou mudanças importantes na organização, incluindo a iniciativa para diversificar seu elenco de votantes. Muitos atribuem ao #OscarsSoWhite as múltiplas premiações para Moonlight: Sob a luz do luar e Parasita, em 2017 e 2020, respectivamente.

Cena do filme "Moonlight: Sob a luz do luar"
"Moonlight: Sob a luz do luar" (2019): vitória apenas passageira da diversidade em Hollywood?Foto: David Bornfriend/A24/A/picture alliance

O poder das redes e a confusão entre público e privado

No entanto, classificar a trajetória de Andrea Riseborough e To Leslie exclusivamente como uma história de poder e privilégio seria perder de vista o papel desempenhado pelas mídias sociais na surpreendente ascensão – mesmo considerando que promoção pessoal, até mesmo com a ajuda de amigos do setor para divulgar um filme, não é nada de novo no setor cinematográfico.

Nas décadas de 1940 e 1950, quando as atrizes e atores tinham contrato exclusivo com um único estúdio, os membros da Academia eram forçados a votar em bloco: atores da Fox votavam em filmes da Fox, os da Warner Brothers na WB. E a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), que se gabava de ter "mais estrelas do que há no céu", ganhava os Oscars ano após ano.

Mais recentemente, sabe-se que produtores agressivos vêm torcendo ou quebrando as regras da Ampas para aumentar as chances de seus candidatos. O mais descarado era talvez o famigerado Harvey Weinstein: certa vez ele encomendou ao diretor Robert Wise (Oscar por Amor, sublime amor e A noviça rebelde) um artigo de opinião elogiando seu candidato, o filme Gangues de Nova York, e instando a Academia a conceder o Oscar ao diretor, Martin Scorsese.

Atriz Andrea Riseborough
Pecado de Andrea Riseborough & cia. terá sido jogar bem demais o jogo das redes – e à vista de todos?Foto: Steve Vas/Future Image/IMAGO

De um modo mais geral, louvar o próprio candidato numa exibição da Academia ou em outro evento, é tão comum quanto esperado. Afinal, durante a temporada das premiações o calendário de Hollywood fica lotado de almoços e jantares particulares, além de outras oportunidades promocionais.

A grande diferença quanto à campanha de Riseborough é que ela não ocorreu por trás de portas fechadas e em eventos VIP, mas publicamente, online, onde todo mundo podia ver.

Os regulamentos da Ampas, restringindo o lobismo direto, foram elaborados para uma época analógica, em que quem quisesse promover seu competidor tinha que pagar por um outdoor ou anúncios de jornal. O que se dizia entre quatro paredes era, a maior parte do tempo, problema de cada um.

Na era das redes sociais, contudo, está irrecuperavelmente borrada a linha que separa o público do privado, uma opinião pessoal de um reclame promocional. Em vez de culpar Andrea Riseborough e um filmezinho independente por saber jogar o jogo online, os Oscars devem agora estar se dando conta de que precisam adequar suas regras ao século 21.