Populistas italianos reforçam proposta de renda básica
11 de abril de 2018O turista típico que visita a Sicília geralmente ignora Priolo Gargallo. Situada a apenas 13 quilômetros da pitoresca Siracusa, a cidade é mais conhecida por seu passado como polo da produção petroquímica italiana do que por ostentar anfiteatros ou história antiga. Hoje em dia, contudo, a comunidade de 11 mil habitantes tem uma história diferente para contar.
"Nós temos fornecido riqueza para todo o país, mas acabamos de mãos vazias, donos só das nossas doenças", afirma Calogero Vicario, ativista do Observatório Nacional para o Amianto.
A história pessoal do ex-metalúrgico de 56 anos reflete a ascensão e queda da fortuna na região. Nos anos 1970, a indústria empregava quase 20 mil pessoas; no fim da década, porém, o petróleo do Oriente Médio passou a adotar outras rotas, contornando a Itália. E o avanço da concorrência chinesa e indiana acarretou a queda lenta, porém constante da produção.
Algumas das fábricas desativadas restaram, sobre terreno contaminado com acesso restrito. Outras firmas se transferiram para setores em crescimento.
Vicario passou de construir plataformas marítimas a montar torres eólicas para a Siteco, empresa com clientes na Alemanha, Dinamarca e Espanha. Em 2009, porém, a companhia perdeu contratos importantes devido a preocupações ambientais. Poucos anos mais tarde, o metalúrgico ficou também sem esse emprego.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, apenas 42% dos habitantes da província de Siracusa mantêm empregos regulares. Mas pelo menos num quesito Priolo Gargallo se destaca: com 72% dos votos pelo Movimento Cinco Estrelas (M5S), a cidade encabeçou a guinada eleitoral que consagrou os populistas como principal grupo no pleito geral de março deste ano.
Renda básica como isca eleitoral?
Vicario nega que a promessa de uma renda básica para todos os cidadãos italianos tenha atraído seus vizinhos às urnas. "Os políticos não devem sair dando o dinheiro deles. Queremos trabalho garantido para todos, queremos investimentos locais."
No entanto ele admite que a renda básica de cidadania possa ter sido um incentivo para alguns de seus antigos colegas, especialmente os que perderam o emprego perto da aposentadoria e agora não veem perspectiva de algum dia voltar a trabalhar. Num país com uma taxa de desemprego que alcançou os 10,9% em fevereiro, não é de espantar que haja tais preocupações.
A senadora do M5S Nunzia Catalfo, natural na Sicília, assegura: "Queremos conceder uma vida decente aos milhões que estão desempregados ou cujos salários e rendimentos estão abaixo da linha da pobreza."
Ao ser lançada em 2014, sua proposta de uma renda básica de cidadania, visando beneficiar 2,75 milhões de famílias, não ganhou muito impulso. Em vez disso, o Parlamento aprovou benefícios sociais para os italianos mais pobres: agora, cerca de 900 mil cidadãos recebem do governo uma média mensal de 297 euros.
Com o Cinco Estrelas detendo atualmente mais de 30% dos assentos nas duas câmaras parlamentares, o quadro pode mudar. A proposta de Catalfo tem como meta evitar o resvalo para a pobreza: todo italiano cuja renda esteja abaixo da linha de pobreza de 9.360 euros anuais, estipulada pela agência de estatísticas europeia Eurostat, teria direito a um auxílio de até 780 euros por mês.
Opositores políticos criticam a medida como incentivo para os desempregados não deixarem o sofá de casa, mas o M5S rejeita essa avaliação.
"Tecnicamente, nossa renda de cidadania é um salário mínimo garantido sob determinadas condições, como treinamento profissional e procura ativa de emprego", argumenta Pasquale Tridico. O economista da Universidade Roma Tre é cogitado como ministro da Previdência pelo líder do M5S, Luigi di Maio, caso o partido consiga constituir governo.
Os beneficiados da renda básica teriam que se registrar numa agência de emprego e provar que dedicam pelo menos duas horas por dia à procura de trabalho, além de se comprometer a prestar oito horas semanais de serviços comunitários.
Modelo viável?
Tridico calcula que a reforma trabalhista custaria um total de 17 bilhões de euros. Outros economistas, contudo, duvidam que o plano seja praticável.
"Atualmente, esse tipo de renda é insustentável, devido ao grande número de beneficiários e ao custo", afirma Massimo Baldini, professor do Centro de Análise de Políticas Públicas da Universidade de Modena.
Segundo seus cálculos, 4,9 milhões de famílias seriam elegíveis para o programa, resultando num custo total de 29 bilhões de euros. Por sua vez, Tito Boeri, presidente do Instituto Nacional de Seguridade Social, avalia gastos entre 35 bilhões e 38 bilhões de euros.
Embora defenda suas estimativas, Tridico frisa a necessidade de reformas preliminares em outras áreas, das agências de emprego ao investimento público. Ele reconhece que seu plano inflaria os gastos públicos, mas insiste que a Itália ainda estaria em conformidade com as regras da União Europeia, segundo as quais o déficit não deve exceder 3% do Produto Interno Bruto.
Trabalho em vez de renda garantida
Essa versão da renda básica de cidadania é bem diferente da ideia defendida pelo fundador do Cinco Estrelas, o humorista Beppe Grillo, para quem os rendimentos são um direito humano fundamental. O modelo proposto agora é também distante do atualmente testado na Finlândia, que não impõe quaisquer condições para a obtenção do benefício.
"Eu não excluiria nenhum experimento futuro com uma renda básica universal, como estão fazendo outros países europeus", diz Catalfo. "Mas ainda estamos bem longe disso. Temos que primeiro lançar as bases com uma renda restrita."
A ideia, considerada utópica por muitos, é descartada com desprezo por Vicario. "Você simplesmente não pode dar um salário para todo mundo", diz o ativista, que após ter trabalhado por 35 anos deseja chegar à aposentadoria com o próprio suor. "Eu quero que o Estado italiano limpe de amianto esta área e a transforme de novo no que costumava ser."
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