Polônia acolhe ucranianos com solidariedade sem limites
4 de março de 2022Na casa de Ewa Godlewska-Jeneralska, na cidadezinha de Czchow, sul da Polônia, tudo está preparado: as camas feitas, os quartos carinhosamente arrumados. "Não há como não ser assim. A guerra está grassando logo ali, na nossa porta", comenta à DW.
A dona de casa ainda não acolheu nenhum ucraniano em fuga da guerra de Vladimir Putin, mas isso pode acontecer a qualquer hora. Na cidade já há algumas refugiadas com seus filhos, que precisam de tudo, pois chegaram só com uma bolsa. "O que me dói mais é como eles nos agradecem. Às vezes a gente não fez nada, só falou com eles, e ficam incrivelmente gratos. Nós todos choramos todos juntos."
É como se a Polônia tivesse levado uma sacudida: para onde se olhe, há postos de coletas de donativos, anúncios apelando à disposição de acolher refugiados. Na fronteira com a Ucrânia, as placas dos carros particulares são de Varsóvia, Cracóvia, Łódź, Wrocław, todo o país se faz presente.
Já três dias após a invasão das tropas russas, Wojciech Bakun, o prefeito de Przemysl, no extremo sudeste polonês, pedia para que não se enviassem mais artigos de primeira necessidade para a cidade: "No momento, temos absolutamente tudo, em grandes quantidades!"
Nem todos refugiados são iguais
No entanto, não faz tanto tempo que imagens bem diferentes correram o mundo: afegãos, iraquianos, sírios e outros refugiados nos bosques da fronteira polaco-belarussa. Enquanto isso, o ministro da Defesa, Mariusz Blaszczak, afirmava que "a política da porta aberta resultou em atentados na Europa Ocidental".
Desde o começo de 2022, está sendo construída uma cerca na divisa com Belarus. Organizações assistenciais, associações de médicos, cidadãs e cidadãos poloneses, sobretudo das regiões fronteiriças no leste, ajudaram como puderam os migrantes. Mas não havia um movimento de massa, nem o atual entusiasmo humanitário.
"Do ponto de vista moral, a presente situação é inequívoca: não ser trata da manipulação de um autocrata que deposita na fronteira polonesa os indivíduos que querem ir para o Ocidente, mas sim do ataque de um Estado a outro", justifica o sociólogo da Universidade de Varsóvia Andrzej Rychard.
Seu colega Przemysław Sadura pesquisa os efeitos da crise migratória na divisa belarussa sobre os habitantes da área e os funcionários da fronteira polonesa. Agora ele está em Przemysl, para pesquisar essa questão na fronteira ucraniana.
"Essas duas crises se espelham", afirma. "O que chama a atenção, entretanto, são as diferenças em sua percepção. Atualmente, todos estão engajados e ajudam os refugiados. É como um carnaval de solidariedade, um reflexo. Mas será que vai durar, quando vemos que se trata de milhões que não têm mais casa para onde voltar, e que vão permanecer na Polônia?"
Do trauma soviético à culpa pela cerca
Seja como for, no momento a Polônia ajuda de forma rápida e eficaz. Se uma grávida da Ucrânia precisa ir ao médico, não há problema: a assistência para os refugiados é a mesma que para os nacionais, e às custas do seguro de saúde estatal.
"Todos os refugiados que cheguem à fronteira polaco-ucraniana serão recebidos pela Polônia", declarou o ministro do Exterior Zbigniew Rau no encontro do Triângulo de Weimar, em 1º de março. Haverá uma estratégia política por trás da solidariedade? Andrzej Rychard nega: "É um daqueles raros momentos em que pensar em termos de valores é mais importante do que a tática política."
Na Polônia, reina harmonia política como há muito não se via. Todos os partidos, da esquerda à direita, conclamam a que se dê assistência os ucranianos em fuga. "Em contrapartida, em 2021 era controvertido sequer ajudar os migrantes na fronteira belarussa. Talvez estivéssemos inconscientemente envergonhados pela construção da cerca, e agora estamos mais em paz com a nossa consciência", especula Sadura.
Antes da invasão pela Rússia, viviam na Polônia cerca de 1 milhão de ucranianas e ucranianos. Praticamente toda família polonesa conhece ucranianos que trabalham no país. A proximidade geográfica e cultural é inegável.
Em pesquisa realizada em 2021 pelo Centro de Estudos sobre o Preconceito da Universidade de Varsóvia, mais de 90% dos consultados disseram aceitar os cidadãos da Ucrânia como colegas e vizinhos. Além de "irmãos eslavos", também o trauma histórico da invasão soviética em 1939, na trilha de Adolf Hitler, gera proximidade emocional.
"O ataque pela Rússia desperta memórias históricas. Tais analogias geram um sentimento de comunidade e motivam", explica o psicólogo e pesquisador de estereótipos Michal Bilewicz, da Universidade de Varsóvia.
Conforto psicológico de poder ajudar
Ainda assim, uma questão ocupa Ewa Godlewska-Jeneralska: "Como pode ser que crianças ucranianas sejam melhores do que as sírias?" É óbvio que em meados de 2021 a situação era menos clara, pois ninguém sabia quem eram, exatamente, os migrantes e por que queriam ir para a Polônia.
A guarda de fronteiras polonesa publicou na época fotos de indivíduos posando diante de atrações turísticas em Minsk; para o ministro do Interior, Mariusz Kaminski, apresentou os migrantes como turistas ou potenciais terroristas. No entanto, famílias com crianças congelaram a céu aberto, sem desencadear nenhuma onda de solidariedade.
A dona de casa de Czchow menciona um outro aspecto, para que uma psicóloga lhe chamou a atenção: "Naquela época, quando os refugiados chegaram à fronteira belarussa, não havia uma ameaça direta para nós. Quando você se sente ameaçado e ao mesmo tempo está indefeso, não dá para aguentar. Mas quando se começa a fazer algo concreto e se ajuda, você sente que ainda tem poder de influenciar algo."