Pleito regional opõe conservadores e ultradireitistas
5 de junho de 2021O pleito deste domingo (06/06) no estado da Saxônia-Anhalt, no leste alemão, contrasta com o cenário nacional alemão. As pesquisas de intenção de voto indicam que 23% a 26% do eleitorado deve votar no partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e cerca de 30% para a União Democrata-Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel. Ao contrário de boa parte da Alemanha, a disputa na Saxônia-Anhalt não é entre verdes e conservadores, mas entre conservadores e ultradireitistas.
Entre o fogo e a frigideira
Uma enquete realizada em 26 de maio pelo instituto INSA chegou a alarmar o mainstream da política alemã, ao mostrar a AfD liderando a corrida na Saxônia-Anhalt, com 26% dos votos, seguida pela CDU, com 25%. Os demais grandes partidos – Verde, Social-Democrata (SPD), A Esquerda e Liberal Democrático (FDP) – vinham mancando atrás, com 6% a 13%. No entanto, pesquisas desta semana mostraram que a conservadora CDU recuperou terreno, e aparece entre cinco e sete pontos percentuais à frente da AfD.
E mesmo que a AfD acabe de alguma forma liderando o pleito, ela não deve participar do governo estadual, já que para as demais siglas segue sendo tabu formar uma coalizão com a ultradireita. No momento, o governo local é liderado pelo democrata-cristão Reiner Haseloff, que conta com uma coalizão centrista formada pela CDU, o Partido Social-Democrata (SPD) e os verdes. As últimas pesquisas mostram que os três partidos devem manter mais de 50% dos votos, proporcionando a sobrevivência da coalizão, afastando o temor de que a CDU venha a se deparar com a impensável perspectiva de se aliar ao partido A Esquerda, um tabu quase tão grande quanto colaborar com a AfD.
A longa sombra da Guerra Fria
Ainda que a AfD acabe não vencendo a eleição na Saxônia-Anhalt, as pesquisas mostram que o partido deve manter e consolidar seus ganhos eleitorais no último pleito, em 2016, quando o partido obteve 24.3% dos votos, num pleito influenciado pela crise de refugiados.
A persistência da AfD deixa muitos perplexos na Alemanha. A AfD está prejudicada por uma liderança dividida; não tem mais um tema sensacionalista para dinamizar suas bases – como foi o caso da crise dos refugiados –; e se radicalizou tanto para a direita, ao ponto de chamar a atenção das agências de segurança interna, encarregadas de ficar de olho nos extremistas.
Apesar de esses fatores terem encolhido o seu eleitorado no Oeste, a sigla se estabeleceu como força onipresente em todos os estados da antiga RDA, a Alemanha comunista: lá sua popularidade é de 20%, contra 10% no âmbito nacional.
Para alguns, apoiar a AfD sinaliza oposição à atual ordem política alemã. O comissário do governo federal para os estados do leste, o deputado Marco Wanderwitz, da CDU, nascido na comunista Karl Marx Stadt (hoje Chemnitz), pôs gasolina no debate no fim de maio, ao declarar que alguns cidadãos da região simplesmente não entenderam o que é democracia.
"Estamos lidando com gente que foi parcialmente socializada por uma ditadura, de modo que ainda não chegou até a democracia, mesmo 30 anos mais tarde", declarou Wanderwitz num podcast do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Como seria de esperar, o comentário irritou muitos habitantes do Leste e suscitou condenação até dentro da própria CDU. Contudo, também ilustrou quão profunda a divisão da Guerra Fria ainda é, na psique alemã: não importa o que tenha ocorrido nas últimas três décadas, o debate político sobre o Leste alemão ainda é definido pelo período entre 1949 e 1989.
Fatores múltiplos
Essa sensação de rancor histórico, de ter sido economicamente "deixados para trás" pela República Federal da Alemanha após a reunificação, é vista como a versão especificamente germânica dos ressentimentos que teriam impulsionado a ascensão de líderes nacionalistas por todo o mundo, como o ex-presidente americano Donald Trump. Na mesma medida, os eleitores da AfD a consideram o único partido capaz de lhes oferecer um canal democrático para expressarem seu descontentamento com as "elites" de Berlim.
As mudanças demográficas em seguida à reunificação tiveram um forte impacto na ex-Alemanha comunista: o estado da Saxônia-Anhalt perdeu um quarto de seus habitantes, tendo hoje apenas 2,2 milhões, e a terceira menor densidade e população mais idosa do país, com uma média de 47,9 anos.
Por outro lado, aqui pode estar uma indicação de que as divisões políticas alemãs não refletem simplesmente a antiga fronteira RDA-RFA, como sugeriu Wanderwitz. Afinal, os verdes atualmente são também a legenda mais forte em centros urbanos orientais como Potsdam, Dresden e Leipzig. Confirmando, a firma pesquisas de opinião Infratest Dimap constatou que o Partido Verde dominam em áreas em que a população cresce, e a AfD, onde ela está em declínio.
Embora a mudança demográfica tenha inevitavelmente causado dano econômico à antiga Alemanha Oriental, seria equivocado atribuir a ascensão da AfD a um empobrecimento: nos últimos anos, o PIB da Saxônia-Anhalt tem crescido, e o desemprego caiu para 7,5%, apenas 1,6 ponto percentual acima da média nacional.
Haseloff fica
Da mesma forma, segundo a agência oficial de estatísticas Statista, a lacuna salarial Leste-Oeste diminuiu consideravelmente, de 22% em 2015 para 15% em 2020. Pode ser que parte dos alemães dos estados do Leste se sintam "deixados para trás" pela política, em comparação com seus compatriotas das regiões urbanas, porém, pelo menos do ponto de vista econômico, eles estão recuperando terreno.
No pleito deste domingo, Haseloff provavelmente se manterá no governo, uma vez que, apesar dos infortúnios da CDU no nível nacional, ele segue sendo o político mais popular da Saxônia-Anhalt – embora talvez só porque muitos eleitores do estado sequer ouviram falar dos candidatos dos demais partidos.
A gestão da pandemia de covid-19 ainda é a questão mais importante para a Saxônia-Anhalt, e aqui o político democrata-cristão tem a vantagem de poder apresentar as taxas de contágio mais baixas de toda a Alemanha. Desse modo, o futuro desse estado do antigo Leste comunista depende basicamente do desempenho dos potenciais parceiros de coalizão da CDU nas urnas.