Plantando bananeira aos 75 anos
17 de outubro de 2002Sobre os jovens autores – "Não se pode acusar as gerações posteriores de não terem tantas rupturas em sua biografia [...], no final da guerra eu tinha 17 anos. Para mim, foi um fator definitivo, que até hoje me motiva, me afeta, me fornece matéria, cria resistências que escrevo para vencer, e de que tenho que me ocupar. E muitos dos jovens autores concentram-se muito em si mesmos, e começam cedo demais a escrever autobiograficamente."
A motivação para escrever – "Queria alcançar clareza, para mim mesmo. Até 1945, eu fora crédulo, nenhuma sombra de antifascismo. Aí meu mundo caiu, de verdade. Eu queria compreender: como pôde a minha geração, e outras também, se deixar enganar assim, quase sem oferecer resistência?"
O peso do passado nazista da Alemanha – "Claro que tenho impulsos de dizer 'quando isso vai acabar, quando posso me dedicar a outros temas?'. Às vezes até consigo. Mas aí o passado nos alcança, não apenas a mim, mas a nós, coletivamente. [...] Não há como ignorar a história. Mas para a geração mais jovem – quando penso em meus netos – isso é uma coisa difícil. Eles não são absolutamente responsáveis por esse passado, não têm qualquer culpa, e no entanto carregam a responsabilidade de que tal coisa se repita na Alemanha – mas nem de leve. Esse também é um motivo por que me engajo nas eleições. Pois aí se volta a ouvir declarações que considero horrendas."
Sobre"Morte de um crítico" e as acusações de anti-semitismo contra Martin Walser – "Sempre fui muito crítico quanto a seu discurso na Paulskirche. Mas sou totalmente contra o que aconteceu mais tarde, a tentativa de difamação pelo Senhor Schirrmacher do Frankfurter Allgemeine Zeitung, apresentando Walser como anti-semita. [...] Em Morte de um crítico não há uma única linha anti-semítica, e você não encontrará uma única frase desse tipo em toda a obra de Martin Walser. [...] Não sei por que motivo o FAZ agiu assim, se foi para aumentar a tiragem, [...] mas essa briga entre jornalistas, essa arenga de caderno de cultura, tudo nas costas de Martin Walser... Foi um espetáculo deplorável."
Sobre a primazia, na Alemanha, da discussão política de suas obras sobre os aspectos literários – "Sim, lamento esse fato, pois não sobrou margem para discussões literárias, sim, afinal são produtos literários. E a opinião preconcebida sempre foi um obstáculo. Mas eu tive minha compensação: quando os livros saíram no exterior, a reação foi muito mais relaxada, as pessoas se ocuparam muito mais com a forma literária, considerando as obras mais nesses termos. Para mim, isso foi sempre uma compensação."
Os perigos da fama e da auto-repetição – "Notei que [a fama] não ajuda nada no trabalho, antes atrapalha. Quando começo um novo livro, escrevo nesses cadernos sem pauta, e aí o papel é assustadoramente branco! Isso se repete a cada vez. Não se pode construir sobre o já alcançado, ao começar um livro. [...] O que mudou é que, nos meus primeiros livros, enquanto autor relativamente jovem, eu escrevia com vistas ao final, e me perguntava qual seria a reação. E isso mudou: aprendi, vivenciei, que o mais belo em escrever é o ato de escrever."
Seu processo criativo – "Escrever é uma solidão auto-imposta, estado maravilhoso, solitário, você só tem o próprio barulho. Eu escrevo de pé, escrevo em voz alta, pronuncio as frases, antes que elas ganhem o papel, para que também tenham um efeito oral. [...] Escrevo de quatro a cinco versões de cada livro. Primeiro a mão, depois com minha velha Olivetti portátil, até hoje, nada de computador nem coisa semelhante. É um processo de trabalho muito lento, que por vezes leva anos."
O crítico Marcel Reich-Ranicki – "Ele conseguiu aniquilar com A ratazana. Depois de seus comentários, os vendedores devolveram partidas inteiras do livro. Graças a Deus ele não conseguiu fazer o mesmo com Um campo vasto, mesmo extrapolando de longe os limites do possível, dentro da crítica literária. Ele permitiu ao Spiegel publicar sua 'imagem' rasgando o livro. O que levou a protestos no exterior, e os leitores já não conseguiram mais acreditar, foi tão despropositado que o livro se impôs com a ajuda dos leitores. Essa história me atingiu muito, essa representação, e também fez que eu me distanciasse da crítica."
Sobre a solidariedade dos colegas escritores – "Recebi inúmeras demonstrações, de colegas de dentro e de fora do país, precisamente neste caso, de Harry Mulisch a Salman Rushdie, e John Irving e Adolf Muschg na Suíça. Eles ficaram indignados e fizeram questão de expressar sua opinião."
O futuro da literatura alemã – "Gostaria que alguns jovens autores dessem continuidade a essa boa tradição alemã do envolvimento, também no campo social e político. [...] Vivem avisando os jovens escritores: 'mantenham a distância, a política suja as mãos, retornem à torre de marfim, a estética é a única coisa que conta', etc. Essas afirmações estúpidas, que sempre fazem de conta que nada aconteceu. De Walther von der Vogelweide até nossos dias, sempre houve autores que, ao lado e para além de sua atividade literária, têm-se engajado de forma social e política. Gostaria que alguém continuasse essa tradição alemã, tantas vezes interrompida."
O 75º aniversário – "Vou festejar com a família. Para diverti-los, acostumei-me a tentar plantar uma bananeira em todos os meus jubileus. Ao completar 70 anos, eu consegui. Estou curioso para ver se também vou conseguir, aos 75!"