Pinacoteca de Berlim oferece visitas guiadas a pessoas com demência
28 de setembro de 2012"Um pouco mais alto, eu não estou ouvindo nada", diz uma senhora idosa. "Eu quero seguir adiante!", brada outra senhora cadeirante. A pedagoga do museu, Jaqueline Hoffmann-Neira, estava um pouco insegura, porque era a primeira vez que fazia uma visita guiada para pessoas com demência.
Ela escolheu quadros sobre o tema "amor de mãe". Madonna com criança, de Botticelli e Rafael. Trata-se de um sentimento fundamental que todos conhecem, um tema com o qual todos podem se relacionar. E, realmente, o tema da mãe com a criança nos braços pareceu provocar recordações na maioria dos sete visitantes. Mas, quanto à pergunta sobre quem era a criança, reinou o silêncio.
"Jesus", soprou a educadora do museu. "É claro, e quem mais poderia ser?", falou quase indignado um imponente senhor idoso, impecavelmente vestido.
Lembranças por meio da arte
Trata-se de um experimento que a Berliner Gemäldegalerie (ou Pinacoteca de Berlim) aceitou realizar. Apesar de visitas guiadas em museus para pacientes com demência ou Alzheimer já sejam comuns há muito tempo em outras cidades alemãs, isso é uma novidade na capital do país, que quer ganhar a fama de ser uma cidade acolhedora para pessoas mentalmente desfavorecidas.
A iniciativa partiu de uma cidadã, Bettina Held, cuja mãe é portadora de demência. A ideia agradou imediatamente à Sociedade Alemã de Alzheimer e também aos museus públicos de Berlim, que mantêm suas portas sempre abertas. Houve treinamento para pedagogos culturais e, a partir de meados deste setembro, foram realizadas as primeiras visitas guiadas.
Já há muito se sabe que a música afeta diretamente pessoas com demência, desencadeia lembranças e emoções. Mas ainda é pouco difundida a ideia de que imagens também possam funcionar como parte da memória coletiva e pessoal.
O projeto na Pinacoteca de Berlim pretende possibilitar aos doentes mentais o acesso a uma área pela qual eles se sintam atraídos e onde possam participar da vida cultural.
As visitas se concentram em alguns quadros, em que os temas são especialmente importantes. "Amor" ou "paixão" despertam lembranças e sentimentos em qualquer um, inclusive entre as pessoas com demência. Os grupos são pequenos, de forma que é possível levar em consideração as reações de cada um.
Risadinhas com o cupido
"Eu não aguento mais ficar sentada", chamou uma cadeirante. A cuidadora a ajudou então a se sentar direito. Situações como essa também devem ser levadas em conta durante as visitas guiadas: elas exigem um grande esforço, primeiro a viagem, então os novos espaços, muitas pessoas juntas. E, de vez em quando, alguém tem que ser acompanhado ao banheiro.
Mesmo quando Jacqueline Hoffmann-Neira diz: "ok, então vamos fazer uma pausa", eventualmente, ela continua a ser seguida por uma pequena caravana. Auxiliados pelos cuidadores, que empurram, cada um, uma cadeira de rodas, chega-se lentamente à próxima sala.
Ali está pendurado o Cupido, de Caravaggio. Ouvem-se risinhos, pois esse Cupido expõe sua nudez de forma provocadora. É claro que nesse caso não se trata de "amor de mãe". Um visitante perguntou então à educadora do museu: "Quando você se apaixonou pela primeira vez?".
"É um toma lá, dá cá", explicou Jaquelina Hoffmann-Neira. Diferentemente de outras visitas, ela omitiu dados e detalhes histórico-artísticos. Mas foi uma grande experiência, mesmo que inicialmente ela tenha saído bastante do conceito, disse.
Sentimentos, lembranças, alegria
O próximo grupo de visitantes já está a postos. O conceito das visitas guiadas inclui, primeiramente, um café com biscoitos no saguão do museu, para que os visitantes conheçam a pedagoga. Este grupo tem apenas quatro participantes, duas mulheres estavam acompanhadas por filhos e netas.
Margot Zähler, uma das visitantes, tem 83 anos de idade, mas diz rindo que não sabe exatamente sua idade. No entanto, ao se deparar com um pintura de paisagem holandesa, ela vai direto ao ponto. "Água", responde Zähler, confiante, à pergunta sobre o que se pode ver no horizonte. Ela aponta, gesticula, mostra-se acordada e animada. Também as outras três visitantes parecem excepcionalmente concentradas, embora pouco falem.
Eu mostrei a elas que detalhes há no quadro", disse Birgit Bellmann, artista e pedagoga do museu. Embora durante as visitas se pretenda abordar emoções e lembranças, ela diz que o mais importante é que as participantes se divirtam. Além da observação de pinturas, Birgit Bellmann oferece também uma parte prática, em que os participantes podem pintar sua própria paisagem com diferentes técnicas, usando pincel ou espátula.
Contato com a arte na prática
Margot Zähler pintou um quadro com manchas azuis, uma listra oblíqua e um sol. Ela parece satisfeita. Essa parte prática, no entanto, não é bem-aceita por todos. A participante Marliese Werg, de 92 anos, é a mais velha do grupo e se mostra um pouco perdida diante da tela. As pinturas lhe agradaram, mas não lhe apraz pintar.
Ela afirma que quer ir para casa, descansar. Mesmo que ela não saiba exatamente onde mora. Mas ela gostaria de vir outra vez, diz. Depois de uma hora e meia de visita, os participantes ficam, obviamente, cansados.
Tais visitas devem se repetir regularmente na Pinacoteca. E a vivência da arte por pessoas portadoras de demência pode se tornar algo comum em Berlim.
Autora: Andrea Kasiske (ca)
Revisão: Francis França