Pico de verão de covid-19 deixa hospitais alemães em apuros
18 de julho de 2022Não é fácil falar com Georg Goutrié pelo telefone. Mas, entre dois turnos noturnos e um turno matutino, o enfermeiro de 21 anos encontra um momento para nos atender. "Que dia é hoje? Domingo, certo?", pergunta, com uma risada. Desde junho, Goutrié trabalha na unidade materno-infantil do hospital Charité de Berlim. Com mais de 3 mil leitos, o hospital universitário é um dos maiores da Europa.
A formação de três anos de Goutrié para se tornar enfermeiro começou bem no meio da pandemia. Durante esse período, ele e seus colegas enfrentaram muitos desafios: enfermarias inteiras foram fechadas, cirurgias adiadas e funcionários transferidos para outras estações, para cuidar de pacientes de covid-19.
Na unidade materno-infantil, ele provavelmente será poupado de uma situação semelhante. "Minha enfermaria não pode ser fechada. Quando os bebês chegam, eles têm de ser atendidos, você não pode colocá-los no fim da fila." Por enquanto, todos os pacientes estão sendo tratados como se fossem casos positivos de covid-19: ficam em isolamento até apresentar resultado negativo no teste.
Restrições relaxadas e a variante ômicron
Nos últimos dois anos, as infecções por covid-19 caíram durante o verão europeu, quando os cidadãos passam mais tempo ao ar livre. Isso significou um alívio para os profissionais de saúde durante os meses mais quentes.
Mas em 2022 é diferente. Os números de casos estão aumentando mesmo no verão, e o sistema de saúde já estão chegando a seus limites, de acordo com a associação de médicos Marburger Bund. Embora no início de junho a taxa de incidência de sete dias fosse a mais baixa de todo o ano, os números aumentaram rapidamente.
Uma explicação é a nova subvariante do vírus BA.5. Ainda mais contagiosa do que as variantes anteriores, os especialistas dizem que ela pode se espalhar rapidamente até o verão. Os já vacinados ou recuperados de uma infecção pela variante ômicron não estão seguros. Dois terços das infecções agora são atribuíveis à subvariante BA.5.
A disseminação foi facilitada pois as autoridades relaxaram as medidas de prevenção. Os habitantes da Alemanha não estão mais sujeitos a restrições de contato ou requisitos de máscara na maioria dos espaços públicos. Muitos também voltaram a viajar e a participar de eventos.
Testes rápidos gratuitos foram abolidos devido ao seu alto custo para o governo. O ministro da Saúde, Karl Lauterbach, disse recentemente que o serviço estava custando 1 bilhão de euros por mês. Agora, é preciso pagar 3 euros nos centros de teste, com algumas exceções.
Vírus atinge funcionários de hospitais
Com os números de covid-19 em alta, os profissionais da saúde estão preocupados com o outono e o inverno, quando a experiência mostra que as infecções se multiplicarão ainda mais. Uma das maiores clínicas do estado de Schleswig-Holstein, no norte do país, já fechou duas unidades no início de julho, pois havia funcionários demais infectados pelo vírus.
"Também atingiu nossos funcionários – há taxas mais altas de doença em nossa força de trabalho do que o normal, devido em parte ao coronavírus", relata a unidade de terapia intensiva do hospital Agaplesion de Hamburgo.
Como em muitos outros hospitais, foi montada lá uma enfermaria para casos de covid-19, além da unidade de terapia intensiva. "Já tivemos que reservar leitos devido a essa situação. E isso em pleno verão", escreveu a assessoria de imprensa do hospital à DW. "Por isso, olhamos com preocupação para o próximo outono e inverno."
Alto número de pacientes por funcionário
Mas a pandemia não é a questão decisiva. Ela evidenciou as já precárias condições de trabalho no setor de cuidados médicos, um problema que a iniciativa The Walk of Care, na qual o enfermeiro Goutrié também atua, trabalha para reparar desde 2016. A iniciativa reúne cuidadores de todas as idades e níveis numa campanha por melhores políticas financeiras e estruturais de saúde.
"Na Alemanha, temos uma média de 13 pacientes por enfermeiro, enquanto na Holanda, por exemplo, são apenas cinco", diz Goutrié. "Como posso assumir a responsabilidade por 13 pacientes de uma só vez e ainda fornecer atendimento de alta qualidade?"
Os enfermeiros já trabalham no limite absoluto há anos, tanto nos ambulatórios quanto nos hospitais, ressalta. As condições adversas atingem mais as mulheres, que ocupam mais de dois terços dos empregos de enfermagem do país.
Quem mais sofre é quem não pode descansar quando chega em casa, por ter que cuidar de crianças e dependentes. Muitos também sofrem racismo ou sexismo no local de trabalho, mas não encontram um emprego tão facilmente, explica Goutrié.
Baixos salários, altos níveis de estresse
De acordo com o Instituto da Economia Alemã, até 2035 poderão faltar no país cerca de 307 mil funcionários de enfermagem. O problema vem se agravando há anos. As condições criam tensão física e emocional, e quando faltam funcionários os colegas da equipe geralmente precisam fazer horas extras – ganhando os salários mais baixos possíveis.
O problema é documentado num site chamado Schwarzbuch Krankenhaus ("livro negro dos hospitais"), com denúncias anônimas de funcionários hospitalares de todo o país:
"Eu nem tive tempo de cuidar dos que estavam morrendo!"
"Amo o meu trabalho e estou muito orgulhoso dele. Mas estou tão chocado com o péssimo atendimento nessa unidade que não aguentei mais de dois anos."
"Quando comecei a chorar na enfermaria, nenhuma das outras enfermeiras teve sequer um momento para me confortar."
Exaustão ou indiferença?
Tais relatos revelam um amplo espectro de sofrimento psicológico. Burnout é um tema muito discutido na enfermagem. Mas há também o fenômeno conhecido como coolout, que está se tornando mais comum na Alemanha.
"É quando você não se importa com nada. Nada mais te toca. É um estado de sobrecarga completa. Você cuida de pessoas em estado de emergência", diz Goutrié, acrescentando que isso leva a erros ou até violência contra os pacientes.
Em junho de 2021, os políticos prometeram melhorias, lançando uma reforma da enfermagem que entrou em vigor este ano. O objetivo é aliviar a escassez de trabalhadores qualificados e o estresse no trabalho com melhores salários e mais responsabilidade para tomada de decisão in loco, para a equipe de enfermagem.
Contudo, Goutrié está considerando uma mudança de carreira, para talvez começar algo completamente diferente, mesmo que a ideia lhe doa. "Se você se considera um cuidador, faz sentido entrar na enfermagem. Mas a que custo?"