Petróleo árabe pode ajudar a reduzir dependência da Rússia?
8 de março de 2022À medida que a invasão russa da Ucrânia se intensifica, crescem os pedidos por um boicote ao petróleo russo. Em um apelo divulgado na semana passada, 465 organizações de 50 países pediram a seus governos que parassem de usar energia oriunda da Rússia.
"O vício mundial em combustíveis fósseis está financiando o belicismo de Putin", diz um trecho do comunicado. Entre os signatários estão organizações como Greenpeace, Extinction Rebellion e o movimento Fridays for Future, iniciado pela ativista sueca Greta Thunberg.
Uma nação que atendeu ao chamado foram os Estados Unidos. Nesta terça-feira (08/03), o presidente americano, Joe Biden, proibiu em seu país a compra de petróleo e gás russos. "Não faremos parte do ato de subsidiar a guerra de Putin", disse, descrevendo as exportações de energia como "a principal artéria da economia russa".
Em uma análise do mercado de petróleo publicada na semana passada pelo Instituto Oxford para Estudos de Energia, a Rússia aparece classificada como o segundo maior produtor de petróleo bruto do mundo, responsável por cerca de 14% da extração mundial em 2021. Cerca de 60% das exportações de petróleo russo têm como destino a Europa – outros 35% para a Ásia.
Os signatários do apelo na semana passada e outras personalidades têm destacado que o uso contínuo de petróleo e gás russos minam o alcance das sanções e dos boicotes internacionais estabelecidos para persuadir a Rússia a se retirar do território ucraniano.
No sábado, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, publicou no Twitter uma mensagem similar na qual questionou a companhia petrolífera Shell por ter adquirido petróleo russo recentemente e pediu às empresas multinacionais que cortem seus laços comerciais com a Rússia.
Nesta terça-feira, a Shell pediu desculpas por ter comprado, na semana passada, um carregamento de petróleo russo, e disse que iria interromper imediatamente todas as compras à vista de petróleo do país e não renovaria contratos já celebrados. A empresa também afirmou que iria iniciar sua retirada de todas as operações de gás e petróleo no país, mas ressaltou que se tratava de um "desafio complexo" que dependia da coordenação com governos, fornecedores e consumidores.
Sem sanções energéticas russas
A importância do petróleo russo é parte do motivo pelo qual ele não foi sancionado pela grande maioria dos países. Mesmo que os governos quisessem proibir o petróleo russo, eles seriam pressionados a substituí-lo e – mais importante – teriam dificuldade em evitar que os preços do petróleo disparassem.
Os Estados Unidos, que anunciaram a sanção, são muito menos dependentes da energia da Rússia do que a União Europeia. O petróleo e produtos petrolíferos da Rússia representam menos de 10% das importações americanas nesse setor.
Os preços do petróleo já estavam altos antes mesmo da invasão russa da Ucrânia. Enquanto o mundo segue sua recuperação sanitária e econômica da pandemia de covid-19, a demanda acima do esperado tem tido como obstáculo a oferta lenta dos produtores.
E devido à guerra na Ucrânia e temores de mais instabilidades no mercado, os preços do petróleo têm subido ainda mais. Na segunda-feira, o preço do barril de petróleo Brent subiu para 139 dólares – um valor próximo de seu preço recorde de 147,50 dólares alcançado em 2008. O petróleo Brent estabelece o valor de referência de cerca de dois terços do petróleo mundial.
De acordo com o relatório do Instituto Oxford, analistas esperam um preço médio do petróleo em torno de 116 dólares neste ano. Os preços mais altos obviamente beneficiam a Rússia e também impactam negativamente as economias ocidentais. Assim, a busca por substitutos do petróleo russo, bem como formas de neutralizar os aumentos dos preços da energia, tornou-se ainda mais urgente.
O especialista Simone Tagliapietra, professor de Política de Energia, Clima e Meio Ambiente na filial europeia da Universidade Johns Hopkins e membro do renomado think tank de políticas econômicas Bruegel, publicou que a União Europeia paga à Rússia diariamente em torno de 1 bilhão de euros por gás natural e petróleo.
Produção em alta, preços em baixa
Parte da resposta pode estar no maior produtor mundial de petróleo bruto, a Arábia Saudita. Estima-se que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos sejam os únicos grandes produtores de petróleo que poderiam aumentar a produção sobressalente com relativa facilidade.
Ainda assim seria difícil que esse petróleo substitua rapidamente a oferta vinda da Rússia, segundo Karen Young, diretora fundadora do Programa de Economia e Energia do Instituto para o Oriente Médio, com sede em Washington. "Aumentar a produção não significa aumentar as exportações diretamente para a Europa", disse ela em entrevista à DW. "Os mercados de petróleo não são redirecionados tão facilmente."
Young afirmou que o maior impacto que os sauditas podem impulsionar é a redução dos preços no mercado global por meio do aumento da produção. Em meados de fevereiro, antes mesmo do início da invasão russa, o governo dos Estados Unidos já pedia aos sauditas e aos Emirados Árabes que injetassem mais petróleo no mercado para minguar os preços.
Na reunião mais recente da Opep+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo mais aliados liderados pela Rússia), os membros concordaram em não desviar do plano de produção feito no início deste ano. O grupo quer aumentar lentamente a produção em 2022, após a pandemia de covid-19 ter causado uma queda histórica na demanda.
A reunião foi realizada em 2 de março e durou apenas 13 minutos. Os 23 membros da Opep+ simplesmente disseram que aumentarão a produção em 400 mil barris diários em abril – conforme previamente acordado – e sequer mencionaram a guerra na Ucrânia no relatório final.
Dar ou não dar as costas à Rússia
"A Opep tem uma política de longa data de não alterar a produção ou a oferta com base em eventos geopolíticos", explicou Hasan Alhasan, pesquisador em política do Oriente Médio no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede em Londres. "Eles alteram apenas em resposta a mudanças nos fundamentos do mercado."
Alhasan sugeriu que mais pressão dos EUA poderia ajudar. Afinal, Washington é um parceiro de segurança tradicional para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, e as duas nações do Golfo Pérsico não estão em movimento de aproximação com a Rússia. Mas neste momento, na visão dos produtores árabes, trata-se tecnicamente de um conflito entre terceiros, alertou Alhasan.
Contudo, a percepção saudita do conflito pode mudar caso a guerra se estenda ou se intensifique, caso outros países – ou a Otan – se envolvam, ou mesmo se for implementada uma proibição total de aquisição de petróleo russo.
A falta de sanções às exportações russas de energia mina o argumento da Europa, segundo Alhasan. Sem essa sanções, "fica difícil argumentar por que os Estados do Golfo deveriam arriscar seus pescoços", disse ele em entrevista à DW.
"Acho que uma recepção mais calorosa e um pedido direto do presidente [Joe] Biden ao [príncipe saudita] Mohammed bin Salman também poderiam ajudar bastante a incentivar um aumento da produção saudita", afirma Young, do Instituto para o Oriente Médio. Mas o presidente americano ainda não falou diretamente com o líder saudita.
A reação global à guerra travada pela Rússia na Ucrânia também pode causar um impacto na disposição da Arábia Saudita de mudar sua política de produção. Há relatos em todo o mundo de trabalhadores portuários que se recusaram a descarregar petróleo russo, além de investidores que, assustados com as sanções, se negam a fornecer crédito ou métodos de pagamento para negócios relacionados ao petróleo russo.
Aliança com produtores do Golfo em risco
Alguns analistas de mercado também têm argumentado que as relações no Oriente Médio deveriam ter sido nutridas mais cuidadosamente pelos EUA e pela União Europeia, especialmente agora que a guerra na Ucrânia tornou os produtores de petróleo do Golfo novamente importantes.
"Mesmo que a diplomacia ocidental consiga trazer esses países a bordo, a preocupação [dos países do Oriente Médio] é que isso seja apenas temporário", disse Cinzia Bianco, especialista em Golfo Pérsico no departamento de Berlim do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
Dina Esfandiary, consultora do programa para o Oriente Médio e Norte da África no think tank International Crisis Group, diz acreditar que a importância dos países árabes produtores de petróleo varia entre altos e baixos. "Acho que também houve uma percepção entre esses produtores de energia de que eles não são tão importantes agora como quando o mundo era altamente dependente deles", afirma Esfandiary, ao apontar para percepções de longo prazo.
E é especificamente por isso que qualquer pressão sobre os produtores de petróleo do Oriente Médio precisa ser avaliada cuidadosamente, diz Alhasan. Segundo ele, um excesso de coerção apenas validará suas preocupações "e, a médio prazo, acelerará seus esforços para expandir seu círculo de aliados internacionais".