"Perspectiva de instabilidade sustenta Temer no poder"
6 de junho de 2017O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retoma a partir desta terça-feira (06/06) o julgamento do processo contra a campanha presidencial da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer, vencedora das eleições presidenciais de 2014, por suposto abuso de poder político e econômico.
Para o analista Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV, dificilmente o TSE vai recomendar a cassação se existe um consenso de que isso vai causar uma instabilidade política profunda no país. A falta de consenso sobre quem poderia assumir o cargo no lugar de Temer beneficia o presidente, diz.
Em caso de cassação, "o mais correto seria achar, via eleição indireta, alguém que tenha alguma legitimidade para ficar até as eleições de 2018", afirma Stuenkel em entrevista à DW Brasil.
DW Brasil: Como você avalia a mais nova crise política do governo Temer, após a divulgação do áudio de uma conversa entre o presidente e Joesley Batista, da JBS?
Oliver Stuenkel: A situação do governo Temer piorou. Antes do áudio havia a expectativa de que ele iria terminar seu mandato com uma chance razoável de fazer uma série de reformas importantes – um paradoxo, considerando que o governo tem baixíssima aprovação popular, mas alta capacidade de aprovar reformas no Congresso. Esse paradoxo, porém, tem um limite: depois da divulgação do áudio, cresceu o risco de o governo cair, e isso tem levado a dúvidas crescentes sobre a capacidade de um próximo líder conseguir aprovar reformas.
O TSE começa a julgar a chapa Dilma-Temer nesta semana. O governo conseguirá resistir ao julgamento?
O que sustenta Temer no poder é a falta de consenso sobre quem vai substituí-lo. Ele tem conseguido convencer a oposição e o resto do governo de que uma alternativa seria pior. O julgamento no TSE ocorre também neste contexto: claro que existem questões jurídicas, mas o TSE exerce também o papel de estabilizador da política. Dificilmente o TSE vai recomendar a cassação se existe um consenso de que isso vai causar uma instabilidade política profunda no país.
Além disso, Temer pode recorrer ao STF ou até mesmo um ministro do TSE pode pedir vistas do processo e atrasar o julgamento. Se houver a percepção de que existe uma pessoa que consegue substituí-lo rapidamente sem que o processo de aprovação de reformas saia dos trilhos, então, acredito que a cassação permitiria uma saída honrosa para Temer.
A cassação da chapa é, em parte, uma solução para a crise atual?
Em teoria, pode ser o início de uma solução para a crise em função do áudio divulgado. O problema é que será a primeira vez na Redemocratização que um vice assume e depois é cassado. Assim, podemos entrar num território pouco explorado constitucionalmente, e isso vai ser um teste muito grande para a Constituição. É contestável dizer que isso seria uma solução para a crise, já que geraria certa instabilidade. E essa perspectiva de instabilidade adicional é um dos trunfos de Temer.
Em caso de cassação, o que seria melhor para o Brasil: voto direto da população ou eleições indiretas pelo Congresso?
Cada modelo tem suas vantagens e desvantagens. Eleições diretas requerem uma mudança na Constituição, e eu diria que a maioria da população apoia as Diretas Já, o que daria certa legitimidade ao processo. O problema é que, no futuro, as pessoas vão pedir eleições diretas sempre que surgir qualquer crise, o que enfraqueceria qualquer futuro governo. Do ponto de vista constitucional, as eleições indiretas seriam mais corretas, mas claramente produziriam um governo com legitimidade menor até que a que o de Temer tem atualmente.
É complexo um novo presidente assumir sem nenhum apoio e num momento econômico delicado. Não há uma saída muito fácil. A meu ver, o mais correto seria achar, via eleição indireta, alguém que tenha alguma legitimidade para ficar até as eleições de 2018. Agora, o grande problema é que nós ainda não achamos essa pessoa. O mais difícil é conseguir imaginar uma solução ideal neste momento.
O PIB registrou alta de 1% neste primeiro trimestre. A crise política deverá afetar a recuperação da economia?
Sim. [A alta do PIB] É uma notícia positiva, mas também não quer dizer que ainda este ano, como todo, o país terá crescimento. Os investidores se preocupam com a situação a longo prazo do país, e a crise atual é uma péssima notícia, já que ela traz incerteza da capacidade de o governo aprovar reformas. Os atores econômicos estão aguardando o desfecho da crise antes de tomar decisões importantes, como a realização de investimentos.
Infelizmente, acho que, pela primeira vez, Temer está numa situação em que os atores econômicos estão pressionando por sua saída, porque julgam que sua permanência está gerando um custo real para a economia. A alta do PIB é uma boa notícia, mas, num cenário de crises contínuas, a economia pode perfeitamente entrar em recessão novamente.
Então é difícil prever o que esperar da economia em 2017...
Sim. Vivemos numa época em que as democracias projetam instabilidade, enquanto países mais autocráticos como a China, por exemplo, são atualmente mais estáveis. Isso é algo inédito, mas o Brasil, nesse sentido, faz parte dessa tendência global maior. E no país, a questão é mais agravada devido à Lava Jato. Nem no próximo governo eleito haverá uma situação mais previsível, já que a investigação não está se aproximando do fim e ainda poderá entrar em outras áreas. O ano será de muita instabilidade, dificultando o trabalho de investidores que precisam de algum tipo de clareza em seus negócios.
Com crises após crises, o Brasil foi perdendo seu espaço de protagonista da América Latina. Como o país poderá recuperar esse espaço?
Claramente, o Brasil deixou de ter um papel de protagonista e isso tem um impacto negativo para várias questões urgentes, como a crise da Venezuela e outras em que o Brasil praticamente não exerce um papel relevante neste momento. A liderança brasileira nunca foi reconhecida e foi mais implícita e sutil. Não é à toa que Argentina e Venezuela nunca aceitaram, de fato, o papel de liderança do Brasil. Mesmo assim, o país perdeu essa liderança, e estará nas mãos do próximo governo reiniciar uma discussão ampla sobre que tipo de América Latina queremos no futuro e o papel do Brasil nisso.
O aprofundamento da crise econômica no Brasil deverá, portanto, piorar mais ainda a situação de parceiros-chave, como a Argentina...
Sim. A semana da divulgação do áudio envolvendo Temer no Brasil foi talvez a pior semana do governo Macri. Isso porque, para Macri dar certo, Temer tem também que dar certo. E essa crise atual tem causado muita preocupação não só na Argentina, mas em todos os países da região, já que o Brasil representa 50% do PIB da América do Sul. Então, a instabilidade brasileira acaba contribuindo também para um crescimento mais baixo na região e, em conjunto com as investigações da Lava Jato, também para a instabilidade política de vários países vizinhos.