"Perplexidade no rosto do comandante americano no Iraque"
8 de abril de 2004Os Estados Unidos subestimaram as dificuldades de uma guerra no Iraque. Após vencer rapidamente a luta contra Saddam Hussein, eles se deparam com uma nova tarefa, muito mais difícil, senão impossível.
O cientista político e especialista em conflitos da Universidade de Bonn, Christian Hacke, entrevistado pela rádio Deutschlandfunk, parte do princípio que ninguém estava preparado para esta guerra contra o povo iraquiano.
Naturalmente, só resta a perplexidade, e ela está "estampada no rosto" do comandante supremo e chefe da administração norte-americana, Paul Bremer. "Basta observar as fotos recentes", sugere Hacke.
A história é a chave
Segundo o especialista, para compreender "que Iraque é este", necessita-se examinar a história dos últimos séculos. Ela mostra que esta nação é uma construção artificial, "forçada à coesão pelos ingleses, após a Primeira Guerra Mundial, colônia sob domínio imperial, liderada por uma dinastia sunita que reprimiu os curdos e xiitas com violência brutal".
Com a queda de Saddam, nenhum desses grupos demonstra intenção ou interesse em reunir-se sob um Estado iraquiano comum, já que nada mais os obriga à cooperação e tolerância. Cada um persegue seus interesses próprios, que são inconciliáveis. "Ou o país é aglutinado à base de violência, seguindo a tradição de Saddam Hussein – e seria terrível se o Ocidente fizesse isto – ou ele explodirá em torno dos americanos."
Hacke explica a metáfora: ele se refere a uma eventual separação entre o Curdistão ao norte, os xiitas no sul e os sunitas no centro do Iraque. A querra civil se anuncia, e a combinação com uma intervenção de fora torna tudo "ainda mais dramático, ainda mais terrível". Por outro lado, o cientista político não acredita que os EUA se retirarão completamente: para Washington, o Iraque é importante como exemplo, inclusive do ponto de vista da política interna norte-americana.
Golpe de misericórdia para Bush?
O principal erro dos americanos foi acreditar que, após a fulminante intervenção militar "tradicional", em 2003, a população do país ocupado iria cooperar, a exemplo dos alemães e dos japoneses após a Segunda Guerra. Aqui, os EUA negligenciaram tanto as diferenças culturais como históricas.
Assim os piores temores da "velha Europa", em especial da Alemanha, se concretizaram: o Iraque tornou-se fonte de uma nova rede de terrorismo internacional – como demonstra o atentado em Madri – que agora ameaça o resto do mundo.
Christian Hacke diz que não se espantará se este for o princípio do fim do governo George W. Bush. Afinal, há cerca de dez anos, seu pai perdeu as eleições, apesar de sua política em relação ao Iraque e a condução da guerra, em si, haverem sido "exemplares". "Agora veremos se o povo americano irá tolerar o filho, que declarou esta guerra catastrófica, partindo de premissas catastróficas, com resultados catastróficos."
Entre o mau e o pior
Apesar de tudo, de nada vale os europeus dizerem "os norte-americanos cometeram um erro", já que todos estamos no mesmo barco e os EUA não podem resolver sozinhos um problema de que eles próprios são parte. Nem os ingleses, espanhóis ou italianos.
"O que se deve fazer?", pergunta-se Hacke. "A Otan autocelebra sua ampliação, aqui não há sinal de que alguém se ocupará do problema. Naturalmente qualquer solução dependerá de um mandato da ONU. Ao que tudo indica, não existe uma política européia de segurança e defesa, cuja visão ultrapasse o continente."
O especialista da Universidade de Bonn continua: "Não quero dizer que a UE ou a Otan venham a intervir no Iraque. Mas é preciso que se discuta a questão, como as forças militares e as instituições envolvidas irão reagir a este novo desafio. E, por enquanto, o que presenciamos é perplexidade e choque."
"Ondas de choque nos atingem, vindas de Bagdá, e agora chegou a hora da política. Com olhar objetivo, ela precisa considerar o que se deve fazer." Hacke conclui, com desolação: "No momento, o dilema não é entre certo e errado, mas entre mau e pior".