Perito alemão compara jogadores violentos a hooligans
26 de junho de 2006A agressividade vista na partida entre Portugal e Holanda (1 a 0) neste domingo em Nurembergue, que bateu o recorde de expulsões na história das Copas, continua repercutindo na Alemanha. Em entrevista à DW-WORLD, o sociólogo e psicólogo do Instituto de Ciências Esportivas da Universidade de Hannover, Gunter Pilz, analisa os fatores que podem influenciar a violência no futebol. Ele é especializado em pesquisas sobre torcidas de futebol e prestou assessoria ao Comitê Organizador da Copa na área de atendimento aos visitantes e fãs.
DW-WORLD: O senhor assistiu ao jogo de ontem entre Portugal x Holanda?
Gunter Pilz: Sim, assisti. No dia anterior eu ainda havia dito que nunca tinha visto uma Copa do Mundo com tanto respeito ao fair play como esta e atribuí isso à conseqüente atuação da arbitragem, exigida pela Fifa. Ontem vimos o que acontece quando o árbitro não é conseqüente. Como ele não deu cartão vermelho na primeira falta grave – que justificava uma expulsão –, tornou-se prisioneiro de seu acanhamento. Isso foi aproveitado por alguns jogadores, desenvolveu uma dinâmica própria e levou a cenas que não queremos ver no futebol.
A culpa foi só do árbitro, ou pode-se dizer, tomando o exemplo de Portugal x Holanda, que determinados confrontos favorecem a violência em campo?
O árbitro, por princípio, não é o culpado. Quem se comporta mal em campo são os jogadores, e não o juiz. Mesmo quando o árbitro não apita ou apita de forma errada, é obrigação dos jogadores se aterem às regras do jogo. Eles é que são responsáveis pelo que acontece. Mas, quando a coisa chega nesse ponto e emoções se incorporam ao jogo, então é necessário que o juiz apite de forma conseqüente.
É claro que existem jogos com uma rivalidade especial. Alemanha x Holanda, por exemplo, sempre teve uma história de lances feios em campo. Sabe-se, por exemplo, que as seleções dos países do Hemisfério Sul, às vezes, perdem o controle das emoções. As equipes do centro e norte europeus tendem a cometer determinadas faltas calculadas, mas não tanto a partir da emoção. Quando então essas seleções se confrontram, se não houver um juiz que apite de forma conseqüente, as coisas desandam de uma forma muito rápida. Mesmo que não queiramos ver o árbitro como o culpado, devemos nos lembrar que ele tem a função de aliviar os jogadores da responsabilidade pelo seu comportamento. É o juiz quem decide o que é permitido e o que não é permitido.
O jogo Argentina x Alemanha também poderá ser um confronto duro?
Com certeza, será uma partida bastante dura, porque estará muita coisa em jogo. Como os argentinos têm sangue quente, pode-se supor que será uma partida muito emocional. Mas, se houver um árbitro que logo no começo mostre os limites, ele terá o controle da situação. Sou quase tentado a fazer uma comparação audaz: há jogadores que se comportam como hooligans. Quando hooligans se confrontam com uma polícia que reage imediatamente, sem fazer concessões, o conflito está logo sob controle. Se a polícia vacila, ela perde o controle. Bem semelhante é a situação no futebol.
Os torcedores e treinadores podem contribuir para a escalada da violência no gramado?
Claro. O treinador é aquele que leva emoções ao campo, aquele que estimula a sua equipe. Os torcedores também. Também devemos levar em consideração que, esses novos estádios, onde os espectadores estão mais próximos do gramado, permitem uma troca mais forte de emoções entre o público e o que acontece no gramado. Pode-se dizer que os estádios modernos que temos hoje fortalecem o clima emocional. E o treinador pode incitar a sua equipe. Ou pode, por exemplo, tirar um jogador de campo antes que ele leve o segundo cartão amarelo para emitir um sinal aos seus jogadores. Mas se ele mantém os jogadores em campo ou gesticula e transmite emoções, pode-se esperar o contrário. Se compararmos os dois treinadores do jogo entre Portugal e Holanda, o Van Basten era um técnico muito retraído e calmo, enquanto que o treinador português era muito mais emocional e vigoroso na sua expressão corporal.
Ou seja, o Felipão não tornou o clima menos agressivo?
Não.
Qual é o papel do árbitro? Pode-se conter a violência através de cartões?
Ele deve ser soberano. Se ele [o árbitro russo Valentin Ivanov] tivesse mostrado um cartão vermelho ao invés do amarelo logo na primeira falta [de Boulahrouz contra Cristiano Ronaldo], isso seria, com certeza, um sinal para os jogadores, que teriam se controlado. Mas como ele mostrou um cartão amarelo, se tornou prisioneiro de sua própria decisão, pois não podia mais mostrar cartões vermelhos em faltas semelhantes. E isso levou a essa onda de cartões amarelos e, quando o jogador reincidiu na falta, em cartões vermelhos. O lance-chave foi quando o Cristiano Ronaldo sofreu uma falta dura. Nesse lance, ele sinalizou aos jogadores: faltas como essa serão punidas apenas com o cartão amarelo.
Os árbitros já estão sendo criticados pelo excesso de cartões nesta Copa. Eles devem apitar com mais rigor ainda?
O exemplo mostra que, quando o juiz adverte de forma rápida e conseqüente, ele faz com que não haja faltas brutais. Se, em faltas duras, o juiz sinaliza imediatamente que isso não será tolerado, então o jogo correrá de outra maneira. A diretriz da Fifa de mostrar cartões amarelos para o que não é permitido é correta e fez com que, até o jogo de ontem, ficasse comprovado que essa atitude colabora para que faltas brutais não aconteçam.
Pode ser que a "batalha" de ontem em Nurembergue se torne uma lição e que coisas assim não se repitam mais?
Até onde eu conheço a Fifa, eles darão uma dura nos juízes e deixarão bem claro que a Fifa espera que os árbitros apitem de forma conseqüente. Com base nisso, eu acho que algo como o que nós vimos ontem não se repetirá, do contrário os jogadores serão expulsos e o jogo logo se tornará mais calmo.
Como o senhor avalia o comportamento dos torcedores até agora?
Eu estou muito satisfeito. O slogan da Copa "O mundo entre amigos" foi mesmo implementado e está sendo vivenciado. A polícia está muito bem preparada e as reuniões preparatórias mostram os seus frutos. Mas o que é muito importante é que nos locais em que estão instalados telões o clima também é de festa e nesses locais a violência é cada vez mais rara. E, fora algumas exceções, logo controladas pela polícia, não vimos nada negativo, mas uma festa de futebol.