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VariedadesBrasil

Paulo Coelho completa 75 anos. O que explica seu sucesso?

Ricardo Domeneck
24 de agosto de 2022

Escritor brasileiro já foi traduzido para 81 idiomas e publicado em mais de 170 países. Autor personifica saga de sucesso e realização de sonhos que tornam seus livros populares.

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Paulo Coelho
Paulo Coelho na Feira do Livro de Frankfurt, em 2014Foto: picture-alliance/dpa/A. Dedert

O romance brasileiro de maior sucesso no mundo hoje poderia ser a própria vida deste brasileiro, o escritor Paulo Coelho, que completa 75 anos nesta quarta-feira (24/08), ainda que seus livros não sejam imediatamente reconhecíveis no exterior como saídos da pena de um brasileiro. É possível que um dia esta se mostre a maior vitória de Paulo Coelho: a quebra dessas expectativas em leitores internacionais em sua relação com a escrita produzida no Brasil.

Entre a exuberância tropical de certas histórias de Jorge Amado e a escatologia urbana do romance de Paulo Lins por sua versão cinematográfica, Cidade de Deus, Paulo Coelho tornou-se o autor brasileiro mais conhecido no exterior, produzindo narrativas desterritorializadas em um mundo que se tornava cada vez mais global. Sua obra foi publicada em mais de 170 países e traduzida para 81 idiomas, tendo seus livros vendido um total de mais de 210 milhões de exemplares.

Não se podia prever o sucesso internacional que seria a vida do brasileiro apenas por seu alcance popular na voz de Raul Seixas com a canção Água viva ou com a publicação de seus primeiros livros, Arquivos do inferno (1982), O manual prático do vampirismo (1985) e O diário de um mago (1987), baseado em sua peregrinação pelo caminho de Santiago de Compostela.

Foi com o fenômeno de vendas do romance O Alquimista, publicado em 1990, que Paulo Coelho começou sua peregrinação nada imaterial pelos mercados livreiros do mundo. Num mundo ocidental sedento por guias espirituais e éticas instantâneas, o turismo religioso do autor entre o misticismo pagão de Brida e o monoteísmo islâmico em Maktub encontraria grande ressonância popular, e o carioca nascido em 1947 numa família católica se tornaria uma espécie de guru do desenvolvimento espiritual.

Sua receita era simples e eficaz: basear-se em histórias de grande alcance, sem perder tempo com grandes malabarismos de linguagem ou profundidade psicológica, dando ao leitor lições facilmente decodificáveis para sua vida pessoal em uma linguagem acessível.

A letra para a canção de Raul Seixas é um exemplo de sua estratégia: a letra, baseada fortemente no complexo poema místico A fonte, de San Juan de la Cruz, dilui o texto e populariza o que poderia ser visto como hermético no poeta espanhol. O professor e crítico Idelber Avelar definiu bem o fenômeno Paulo Coelho ao escrever que ele dá nova roupagem ao gênero da parábola na literatura comercial moderna.

"De larga tradição, dos Evangelhos à contística didática medieval, a parábola não se reduz à autoajuda porque nela opera o discurso ficcional, desestabilizando a aparente univocidade do ensinamento. Daí o fascínio de tantos leitores: simples e compreensível, a parábola preserva uma dose de mistério", escreveu Avelar. Está aí também a pedra de tropeço para a compreensão da obra de Paulo Coelho: nem totalmente autoajuda nem completamente literatura, seus livros pairam num limbo crítico, entre as listas de mais vendidos e o chá na Academia Brasileira de Letras.

Brasileiro e nada brasileiro

Jorge Amado foi o autor brasileiro mais traduzido no mundo entre as décadas de 1940 e 1980, começando a ser superado tanto pelo declínio do interesse na Europa pela América Latina como pelo sucesso comercial de Paulo Coelho, com sua escrita que poderia ser tanto brasileira quanto americana ou europeia.

Paulo Coelho
Paulo Coelho em março de 2016, em Praga, na República TchecaFoto: Getty Images/M. Divizna

O professor alemão Berthold Zilly, tradutor de Euclides da Cunha e Raduan Nassar, já comentou as diferenças entre o baiano e o carioca, lembrando que, depois da queda do Muro de Berlim, o interesse pela literatura latino-americana na Alemanha diminuiu, assim como em toda a Europa, pela repentina abertura da Cortina de Ferro que separava o Ocidente da Europa Oriental.

"Aos poucos, as tiragens [de Jorge Amado] foram baixando, sendo ultrapassadas pelas de outro autor brasileiro, Paulo Coelho, que porém não é visto e lido como brasileiro e que não contribui para a imagem do Brasil no mundo. Ele é um autor globalizado, que, pelo que escreve, poderia ser europeu, americano, árabe", escreveu Zilly.

É importante lembrar que o próprio Jorge Amado sofreu críticas por ser "popular demais". Se a popularidade dele incomodava alguns por monopolizar a imagem do Brasil no exterior, há quem sinta falta do tempo em que o baiano era o autor brasileiro mais conhecido no mundo.

Coelho e Alemanha

O que explica o sucesso de Paulo Coelho em um país tão fortemente laico e desconfiado em relação à religião como a Alemanha, sendo ele um autor que lança mão do misticismo com tanta frequência?

O professor, crítico literário e tradutor Oliver Precht, que verteu recentemente para o alemão textos complexos de brasileiros como Oswald de Andrade e Eduardo Viveiros de Castro, comentou que a repercussão de Paulo Coelho na Alemanha se daria porque seus livros expressam a nostalgia difusa por uma existência que tenha significado individual, em uma busca romântica por verdades e destinos pessoais e intransferíveis.

Sem contexto histórico demarcado, entre o caminho de Santiago e as areias do Saara, os livros de Paulo Coelho fazem parte de um movimento ideológico que tenta pregar aos indivíduos que a História acabou e que o sucesso de seus sonhos não depende de contingências sociais, mas apenas de seus esforços mesclados a crendices pessoais. A parábola de maior sucesso no mundo continua sendo a do self-made man.

Incógnito em Copacabana

Há anos, o autor vive em Genebra, na Suíça, com sua esposa, a pintora brasileira Christina Oiticica. Oficialmente, Coelho não visita sua cidade natal, o Rio de Janeiro, há muito tempo. Mas ele costuma comentar a situação do país - criticar o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro.

"Não há uma pessoa com quem eu converse hoje em dia que não saiba quem é o presidente do Brasil. Hoje, o Brasil é um dos países mais execrados no mundo, por mais que a gente fale coisas para defender", disse ele ao jornal brasileiro Folha de S. Paulo em 2021. "O Brasil não é o Bolsonaro. Já falei antes: ele vai passar feito uma pedra nos rins. É sofrimento, mas vai passar."  No entanto, às vezes, para matar as saudades, ele viaja incógnito no Rio de Janeiro,  para encontrar a família, jantar com um pequeno e discreto círculo de amigos e passear pela praia.