Parsi-falso?
26 de julho de 2004Com pompa e circunstância começou a 93ª edição do Festival de Bayreuth, ponto de encontro anual de celebridades e amantes da ópera. Embora mais de 30 espetáculos componham o programa deste ano, as luzes se voltaram todas para o espetáculo de abertura, que ficou por conta do polêmico diretor teatral Christoph Schlingensief.
A nomeação de Schlingensief para a direção do espetáculo de abertura já deu muito pano pra manga. Foi a primeira vez que o diretor, acostumado a chocar platéias de teatro, se aventurou a dirigir uma ópera: não uma qualquer, mas Parsifal, última composição de Richard Wagner, com a qual o compositor parecia ter certas reservas. Parsifal, por exemplo, não deveria ser executada em nenhum outro lugar que não fosse Bayreuth.
E assim foi, com raríssimas exceções, até a expiração dos direitos autorais em 1913. Além do mais, Bayreuth conheceu apenas seis encenações da obra desde sua estréia em 1882, sendo a primeira delas do próprio mestre. A expectativa era enorme: como Schlingensief, o destruidor de mitos, imaginaria o mitológico Parsifal?
Excêntrico, mas não escandaloso
Schlingensief uniu mitos germânicos a tradições africanas, misturando elementos pagãos e cristãos. Em sua montagem, o Gralsburg, local da ação, aparece como uma miscelânea de nações e religiões aguardando juntos a aparição do redentor que traria consigo a paz.
Os cantores são constantemente deixados em segundo plano, ofuscados pela projeção de seqüências de vídeo. O próprio Schlingensief, vestido à la Joseph Beuys, entra em cena trazendo um coelho, símbolo da fertilidade, da busca pela paz e, ao final, do sacrifício: um vídeo mostra o animal morto, apodrecendo. A mãe Gaia, obesa, surge com os seios à mostra. Escravos arrastam-se pelo palco.
O responsável pela música foi o maestro francês Pierre Boulez, talvez o parceiro ideal para Schlingensief, ele próprio um tanto polêmico – "Expludam as óperas", teria ele ironizado, criticando a corrupção e a rotina nas casas de ópera.
Clima foi de aprovação
Antes mesmo da apresentação, Schlingensief e seu elenco haviam sido recebidos com pompa e expectativa à entrada do festival. Esperava-se um escândalo, mas escândalo não houve. Apesar de algumas vaias, o clima geral foi de aprovação.
O diretor do festival, Wolfgang Wagner, falou de uma "apresentação bem-sucedida". Para o descendente do compositor, Schlingensief deveria trazer a Bayreuth um público que normalmente não vai à ópera. O governador do Estado da Baviera, Edmund Stoiber, disse à publicação online Der Spiegel que "primeiro teria que digerir o espetáculo" e criticou "as muitas distrações que escondem a verdadeira trama da ópera". Mas, admite o político conservador, o diretor teve "coragem de mostrar algo novo".
Precisamente esse era o interesse de Schlingensief, que negou qualquer intenção de provocar escândalo. "Estamos muito aliviados e orgulhosos", disse. "Queríamos mostrar em Bayreuth outras imagens que as comuns e acabamos conseguindo."
Não há só Schlingensief
Após o Parsifal, o festival segue com 30 espetáculos, entre eles Tannhäuser, O Anel do Nibelungo e O Navio Fantasma, além de diversas exposições. Ingressos, como sempre, estão há tempos esgotados. Segundo informação do Spiegel Online, a demanda foi, como sempre, muito superior à oferta: os 54 mil ingressos poderiam ter sido vendidos quase nove vezes.