Paris supera na arte o trauma do 13 de Novembro
1 de dezembro de 2015Apenas horas após os ataques terroristas em Paris, Patrick Jardry saiu pela cidade, munido de flores e de algumas frases seletas daquele que denomina seu "profeta pessoal".
"Depositei uma rosa em cada um dos lugares onde os atentados ocorreram", conta o parisiense nato, que no último fim de semana de novembro retornou ao Le Petit Cambodge, o pequeno restaurante em que mais de uma dezena de pessoas foi vítima de uma salva de tiros. "Também depositei umas frases de Victor Hugo."
Como exemplo, ele cita uma referência ao cerco a Paris de 1870, durante a guerra franco-prussiana, tirada da coletânea de escritos Atos e palavras: "Paris é a cidade sagrada, quem ataca Paris, ataca toda a raça humana." "Tudo está dito aí", comenta Jardry à DW. "Poesia é uma linguagem que esses terroristas não entendem. Mas não é para eles, é para nós."
"Abalada, mas não afundada"
É uma forma de resistência: os franceses estão encontrando consolo na arte, pelas calçadas, murais e memoriais improvisados para os quase 500 mortos e feridos do 13 de Novembro. Mas também no Twitter, Instagram, Facebook e nos blogs.
"Tem uma parte disso que é triste, porque as vítimas se tornam muito mais do que um nome no jornal", diz Christophe Huguet, proprietário de um bar não muito distante de alguns dos atentados. "Mas também tem uma parte alegre, que é toda a diversidade de opiniões expressa aqui, prestando tributo às vítimas."
Por toda a cidade, grafiteiros estampam nos muros o antigo lema da metrópole à margem do Sena: "Fluctuat nec mergitur", acompanhado pela imagem de um navio batido pelas ondas, mas não submerge. Políticos e poetas tuítam seus poemas favoritos ou composições próprias; blogueiros postam fotos dos grafites que mais apreciam; músicos têm composto peças pelas vítimas do massacre.
Essa catarse artística atravessa todo o país. Murais na cidade de Estrasburgo, no leste, ou de Biarritz, no sudoeste, são parte da enxurrada de street art pós-atentados, reunida sob a hashtag #SprayForParis. O muro de um parque em Valenciennes ostenta um mural gigantesco dedicado à capital. E os trens locais da região Pas de Calais, no norte, estão fantasiados com grafites coloridos e desafiadores.
Whitman, Trenet, Grand Corps Malade
Aninhado entre as pilhas de flores e velas consumidas diante do Le Petit Cambodge, está a letra do sucesso do cantor Charles Trenet Douce France, um poema de George Brassens e uma amostra mais contemporânea do poeta slam Grand Corps Malade. Rabiscado numa folha de papel meio amassado, ao lado de uma garrafa de cerveja Brooklyn Brewery, lê-se um trecho da Song of myself (Canção de mim mesmo), do poeta americano Walt Whitman (1819-1892).
"Tudo isto me diz que os franceses não vão ser intimidados por terroristas", comenta Stuart Scott, dos Estados Unidos, presente à capital francesa para a conferência do clima, parando para ler as mensagens. "A poesia e as imagens que estão aqui, mas também o grande reforço da segurança – os franceses estão fazendo seu manifesto de ambas as maneiras: eles serão fortes no coração e nas armas."
Na Place de la Republique, Maida Schmidt, de Berlim, contempla o mural Fluctuat que domina a praça. "O que mais me impressionou, é que tudo depois dos ataques é poesia, a mais linda poesia."
"Je suis Charlie" e mais além
Autores e artistas decerto também empunharam a pena em reação aos atentados de janeiro em Paris, quando "Je suis Charlie" logo se transformou na palavra de ordem internacional pela livre expressão e pela sátira irreverente dos cartunistas assassinados. Porém os massacres mais recentes tocaram uma parcela maior da população, desencadeando uma reflexão mais ampla sobre os valores e a identidade francesa.
"Isso mostra que somos capazes de resistir através da nossa cultura, das nossas palavras, das nossas ideias", resume a residente Laetitia Gaspar, em meio à multidão que admira as mensagens acumuladas na Place de la Republique sob uma gigantesca estátua de Marianne, a imagem alegórica da República Francesa.
Ao lado, uma nota presa sob uma taça de vinho conclama: "Vocês não vão destruir nosso modo de vida. Resistam!" Mais adiante, uma longa poesia num quadro anuncia: "Cabília é Paris", refletindo as raízes argelinas de parte dos parisienses.
Raiva e humor, barbárie e amor
Nem todos os grafites são edificantes. "Fuck Daesh", diz um deles. "Daesh" é o acrônimo em árabe do grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI), que reivindicou os ataques do 13 de Novembro. Outros são lúdicos e sarcásticos, como os desenhos de Asterix e Obelix combatendo o EI ao lado da Torre Eiffel, postados no Facebook pelo artista italiano AleXandro Palombo.
"Para mim, o que se destaca é a barbárie e o horror", define o morador Raymond Moisa, também fazendo seu giro artístico pelos sítios dos atentados. Alguns quarteirões adiante, contudo, na Rue de la Fontaine-au-Roi – onde os terroristas fuzilaram vários fregueses de um restaurante –, a parisiense veterana Ghislene Moret discorda.
"Isso tudo é a respeito do amor", diz, apontando para os montes de flores e notas abarrotando as ruas na manhã de domingo. "O amor suplanta o ódio. Ainda estamos de pé: essa é a mensagem essencial."