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HistóriaGlobal

"Kant é o pensador decisivo da modernidade"

ns12 de fevereiro de 2004

Ao inaugurar o Consulado Geral da Alemanha em Kaliningrado, o ministro do Exterior, Joschka Fischer, foi ao túmulo de Immanuel Kant. Em entrevista à DW-TV, ele disse o que o filósofo tem a ensinar aos políticos.

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Ministro do Exterior da Alemanha, Joschka Fischer
Foto: Markus Scholz/dpa/picture alliance

O ministro alemão do Exterior, Joschka Fischer, inaugurou nesta quinta-feira (12) o primeiro Consulado Geral da Alemanha em Kaliningrado. Ao escolher a data, Fischer quis lembrar a tradição alemã da antiga cidade que antes pertenceu à Prússia Oriental sob o nome de Königsberg. Há exatamente 200 anos, em 12 de fevereiro de 1804, falecia o filho ilustre da cidade, o filósofo Immanuel Kant.

Königsberg transformou-se em Kaliningrado após a Segunda Guerra Mundial, sendo hoje um território da Rússia entre a Polônia e a Lituânia. Quando se consumar a ampliação da União Européia em maio deste ano, Kaliningrado estará cercada por todos os lados de território da UE.

Bildgalerie Kaliningrad Fischer legt einen Kranz vor dem Grab Kants ab, Kalingrad
Ministro do Partido Verde depositou flores no túmulo do filósofoFoto: AP

As relações UE-Moscou, porém, são complicadas no que se refere à cidade onde ainda vivem 7 mil alemães. Muito demorou até que fosse possível abrir um consulado alemão na cidade, e dizem que os russos gostariam de impedir os festejos dos 750 anos de sua fundação, em 2005, preferindo festejar, um ano depois, a criação do exclave de Kaliningrado em 1946.

Os 200 anos da morte de Kant não têm muito significado para os russos, que menosprezaram o filósofo, tendo-o apenas como um antecessor de Karl Marx. Mas Joschka Fischer revelou ser um grande admirador e conhecedor de sua obra, em entrevista a Christian Trippe, da DW-TV, a emissora de tevê da Deutsche Welle:

DW: O que significa o filósofo para o Sr., pessoalmente?

Joschka Fischer: Ele é um dos grande nomes da filosofia. Quando estudante, eu li todas as suas obras importantes e isso me marcou muito, assim como a leitura de Hegel e Marx. Como pensador de um mundo sensato, considero Kant extremamente moderno. Eu acho que sua influência hoje sobre o pensamento político se deve a um grande ensaio, A paz eterna, que voltou a ocupar um lugar central na discussão atual. E também as idéias de Kant, sua filosofia prática, sua ética, o imperativo categórico, sua crítica à razão teórica são obras de grande alcance para o pensamento ocidental, o que vai muito além dos países de língua alemã.

No ensaio sobre a paz eterna, ele desenvolve o conceito de um governo mundial. Serão as Nações Unidas um produto do pensamento kantiano?

Kant é o pensador decisivo da modernidade. Ele não idealizou propriamente a ONU, mas chegou à conclusão certa, e por isso o ensaio é de valor perene. Em um de seus escritos, Robert Kagan opõe Kant e Hobbes. Nós, europeus, somos identificados com Kant, o que muito nos honra, enquanto os EUA se referem mais a Hobbes. [...] Em A paz eterna não há menção à ONU, mas há muito do pensamento kantiano na organização, ou seja, o ensaio é muito marcado por esse espírito.

Que máximas da filosofia kantiana podem nortear a ação de um político hoje?

Eu poderia simplesmente me referir à metafísica dos costumes. Mas não vou fazer isso. No fundo, é apostar na razão; ver o mundo de forma sensata e, ao mesmo tempo, saber dos limites dessa razão. Kant contrapôs a razão ao mundo das aparências, definiu tudo o que vai além disso como uma coisa em si, e o mundo como uma construção racional. Eu acho que isso é o decisivo que um político pode aprender de Kant. Não resta dúvida que a justificativa moral faz parte disso. Mas para mim o ponto decisivo é (encarar) o mundo como um mundo sensato. Ao mesmo tempo, o político precisa saber que a razão tem limites. E sempre é preciso contar com o que extrapola a razão.

E a ética de Kant? O que mais se destaca, o caráter ou a responsabilidade?

"Eu não vejo contradição. A meu ver, precisa-se de um caráter moral, mas a ação é o decisivo. É a razão prática que ele define como lei dos costumes, a moral do imperativo categórico. E não a razão teórica. Talvez seja bom se ter Kant numa mão e Nietzsche na outra. Pois então fica claro onde estão as limitações do pensamento kantiano; mas necessariamente também onde reside o perigo de ir além de Kant. No entanto, as duas coisas estão juntas, quando se analisa a história da filosofia alemã, e também a própria história e a política da Alemanha. Quanto mais velho fui ficando, mais me afastei de Hegel; de Nietzsche, nem se fala; e voltei para Kant. É assim que eu definiria a questão, do ponto de vista da minha biografia."