Para especialista alemão, Brasil ainda não é potência regional
3 de novembro de 2005DW-WORLD – O que o sr. espera da Cúpula das Américas, que acontece de 4 a 5 de novembro em Mar del Plata, na Argentina? O encontro trará resultados concretos?
Sangmeister – Encontros de cúpula sempre representam um breve impulso à economia local. Basta mencionar as enormes comitivas dos chefes de Estado e de governo, funcionários de bastidores, jornalistas e fotógrafos que chegam a esse tipo de evento. Mas não espero resultados substanciais da 4ª Cúpula das Américas. Os encontros pan-americanos anteriores, em Monterrey (2004) e Quebec (2001), também não deram nova dinâmica à integração política e econômica das Américas.
As economias latino-americanas crescem novamente, mas o tema central em Mar del Plata é a geração de empregos e o combate à pobreza. Por que o boom econômico não gera mais empregos e reduz a desigualdade social na América Latina?
Não é novidade para os economistas que o crescimento econômico não gera automaticamente empregos. Em muitos países, ainda se acredita no efeito trickle down da redistribuição da riqueza para os pobres, mas estudos empíricos demonstram que muitas vezes se espera em vão por esse "efeito cascata". O crescimento econômico em muitos países latino-americanos baseia-se no boom da demanda mundial de matérias-primas e produtos agrários, os quais também na América Latina são produzidos com muito capital e pouca mão-de-obra. O chocante desnível social persistente na América Latina não é resultado da globalização e, sim, da falta de disposição das elites regionais de atacar com determinação as causas dessa extrema desigualdade social.
O que os governos da América Latina precisam fazer para combater a pobreza? E como a América do Norte pode ajudar?
Creio que o presidente norte-americano George W. Bush, no momento, tem outra preocupação do que a persistência da pobreza na América Latina. A responsabilidade maior para que as crianças não continuem morrendo de fome na América Latina é das sociedades e dos governos locais. Os principais elementos de uma estratégia bem-sucedida de combate à pobreza são mais do que conhecidos: investimentos na saúde, educação, combate à corrupção, boa condução do governo etc.
O presidente argentino Nestor Kirchner, que definiu o tema da cúpula, espera que a geração de empregos estabilize a democracia. A democracia na América Latina está em perigo?
De fato, há alguns indícios preocupantes de que as democracias na América Latina de forma alguma estão consolidadas. Pesquisas de opinião recentes indicam que a aceitação da democracia está em queda. Isso se reflete também no sucesso de políticos neopopulistas na região.
Como o sr. avalia a situação no Brasil em termos de justiça social e estabilidade demorática (veja-se os escândalos de corrupção), após quase três anos de governo Lula?
As grandes expectativas de que o governo Lula seria capaz de reduzir a enorme desigualdade social no Brasil não se concretizaram. Muitas das sonoras promessas eleitorais não puderam ser cumpridas porque o orçamento brasileiro, sem um remanejamento das despesas, dava pouquíssima margem para projetos de reformas sociais. Os casos de corrupção envolvendo pessoas próximas ao presidente prejudicaram profundamente o governo Lula, que é obrigado a operar com a alternância de maiorias parlamentares.
Por que Bush não é bem-vindo à Cúpula das Américas? Por que o antiamericanismo na América Latina é tão forte?
Permita-me que responda com uma pergunta: onde o presidente Bush atualmente é bem-vindo no exterior? O antiamericanismo tem uma longa tradição na América Latina e a política do governo norte-americano, nos últimos anos, não contribuiu para diminuí-lo.
>> Leia a seguir: o fracasso da Alca e o papel do Brasil na América Latina.
Bush já deu a entender que a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), por enquanto, fracassou. A Alca morreu?
O projeto Alca em sua concepção original provavelmente não será realizado. Desde a interrupção precoce da reunião de ministros em Miami, em 2003, as negociações sobre a Alca praticamente não avançaram. No máximo, ainda haverá uma Alca light, uma área de livre comércio da qual os Estados latino-americanos poderão ou não participar com intensidade e velocidade diferentes quanto à derrubada de barreiras comerciais.
O que o sr. acha da "Alternativa Bolivariana para a América", proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chaves, para fazer frente à Alca?
Sob o ponto de vista estritamente econômico, a proposta não traz absolutamente nada. Politicamente, a ressurreição das idéias bolivarianas na América Latina poderia fomentar a integração regional, mas só até o ponto em que não entrar em conflito com as ambições brasileiras de assumir o papel de liderança regional como potência de médio porte.
Outras alianças ou blocos econômicos, como o Mercosul, têm futuro na região?
A crise argentina deixou marcas na integração do Cone Sul. Mas a estrutura institucional do Mercosul foi fortalecida e a administração de crises intergovernamentais dos Estados-membros funcionou bem em vários casos. No entanto, sem uma harmonização das políticas econômica, financeira e monetária dos dois principais atores – Argentina e Brasil –, o Mercosul continuará se arrastando num baixo nível de integração. Outras propostas, como a fusão da Comunidade Andina com o Mercosul ou até a criação de uma comunidade de Estados sul-americanos, não passam de projetos para o futuro.
Depois da Cúpula das Américas, Bush vai ao Brasil, um país que tenta atuar como potência regional e busca novos parceiros no cenário mundial (como Índia, China ou Rússia), o que não agrada aos EUA. Como o sr. avalia essa reorientação da política externa brasileira?
O governo brasileiro enfrenta enormes problemas de política interna e é uma receita conhecida que, nessas situações, se procura desviar a atenção para atividades de política externa. O Brasil até que teve alguns sucessos nas recentes negociações da OMC, nas quais coordenou suas ações com outros países emergentes ou em desenvolvimento. Mas, a longo prazo, essa não é uma estratégia promissora. O Brasil não tem potencial nem econômico nem político para se firmar isoladamente como ator no cenário mundial e liderar os demais países latino-americanos, como potência regional de médio porte.
Portanto, não é nenhum contrapeso para os EUA na América Latina.
Não. Lula e seus ministros gostam de mencionar estudos segundos os quais o Brasil, a Rússia, Índia e China – os chamados Estados BRIC – no futuro agiriam no palco mundial. Eu sou cético quanto a isso. Já vimos esse tipo de anúncio no final dos anos 60 e início dos anos 70, quando se falava do Brasil como potencial agente, mas uma década depois, o balão estourou e o Brasil estava lá em baixo. Para que o Brasil se firme como potência de médio porte, precisa mais do que o sucesso econômico, hoje ainda fortemente baseado em matéria-prima. O país precisa, sobretudo, resolver seus problemas internos. Um país com tais contradições sociais jamais poderá assumir um papel de liderança, porque os problemas políticos internos sempre estreitarão o espaço de atuação externa.