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EducaçãoBrasil

Pandemia fez democratização do ensino retroceder no Brasil

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
6 de janeiro de 2022

A crise da covid-19 aumentou o muro entre as políticas de acesso a universidades e as escolas públicas. Falta de informação limita escolhas dos alunos e evidencia falha de todo o processo de democratização do ensino.

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Estudantes em local de prova do Enem, em janeiro de 2021
Estudantes em local de prova do Enem, em janeiro de 2021. Enquanto muitos buscam o ingresso no ensino público por meio do exame, outros nem sabem que existem universidades públicasFoto: Fabio Teixeira/ZumaWire/Zumapress/picture alliance

Logo no início da pandemia, em 2020, as escolas públicas brasileiras precisaram migrar para um tipo de ensino para o qual nunca haviam sido preparadas: o remoto. Com ele, nossa desigualdade educacional ficou clara como água: nem a rede pública nem seus alunos estavam preparados ou tinham os recursos necessários para essa transição, diferentemente da rede privada.

Fora das escolas, a crise econômica teve efeito direto sobre as famílias e, por consequência, sobre os estudantes. Os impactos negativos que esse contexto trará ainda estão sendo acumulados, mas podemos inferir com segurança que serão grandes e, possivelmente, acompanhados de uma diminuição, ou retrocesso, de grandes avanços que vínhamos, ainda que lentamente, conquistando no contexto pré-pandemia.

A democratização do acesso ao ensino superior para os alunos da rede pública foi um dos maiores avanços afetados pela crise do coronavírus. Ela intensificou algumas das variáveis que as políticas visavam trabalhar e aumentou a distância entre elas e o público-alvo, os alunos da rede pública.

Neste texto, farei uma análise sobre o processo de democratização do ensino e, para isso, contei com a perspectiva de um grande time: mais de 50 pessoas, entre alunos da rede pública e universitários de universidades públicas, de mais de 15 estados.

Longe da equidade

Cada vez mais universidades públicas vêm adotando políticas para garantir que alunos oriundos da rede pública estejam nas salas de aula dos cursos de graduação que oferecem. Há as políticas de cotas, bonificação extra em notas do vestibular, incentivo à criação de cursinhos populares e reserva de vagas. Algumas universidades, inclusive, já asseguram que 50% das vagas sejam reservadas para esses estudantes.

Fico muito feliz com esses avanços, mas preciso registrar também que ainda não estamos próximos de uma situação de equidade.

Para fazer essa provocação, irei partir do Censo escolar de 2020, que mostra que no Brasil temos quatro vezes mais alunos na rede pública de ensino médio do que na rede privada. Então, ainda que as salas de nossas universidades sejam preenchidas com 50% de alunos oriundos da rede pública, a proporção deles que não continuaram os estudos após o fim do ensino médio será muito maior do que a dos da rede privada.

Quais variáveis podem explicar essa desproporção? Todas as vezes que falo sobre isso com professores, coordenadores, estudantes e universitários, as respostas giram em torno de um certo padrão de razões: falta de informação sobre os meios de ingresso e auxílios de permanência que as universidades oferecem; necessidade de trabalhar para auxiliar em casa ou até mesmo para ter acesso a lazer e objetivos de interesse; dificuldade de conciliar trabalho e estudo; falta de apoio familiar; medo e insegurança por não se acharem capazes; discrepância entre o conteúdo visto na escola e o cobrado nos vestibulares; e a falta de perspectiva sobre o retorno financeiro oriundo do diploma universitário.

Todas essas variáveis foram acentuadas pela pandemia. Constatei, particularmente, um crescimento da última variável citada acima. Duas alunas me citaram que fazem o ensino técnico e que estudam com pessoas que têm o diploma superior, mas que ainda assim precisaram procurar um técnico depois e provavelmente irão ganhar tanto quanto elas. É uma fala recorrente entre estudantes.

Muro entre políticas de acesso e alunos

Além disso, a crise sanitária aumentou o muro entre as políticas de acesso e as escolas públicas. Antes da pandemia, visitando salas de aula, eu já notava que a maioria dos alunos não sabiam desses instrumentos. Pode parecer mentira, mas outros nem sabiam que havia universidades públicas e que poderiam ter a formação superior sem pagar mensalidade, pois toda a sociedade contribui com os impostos que ajudam a manter essas instituições de ensino.

Na pandemia, especialmente pela questão tecnológica, as próprias escolas tiveram dificuldades no contato com uma parcela de seus alunos. Dessa forma, é seguro pensarmos que uma quantidade ainda menor de alunos teve acesso às informações que poderiam culminar em seu ingresso no ensino superior e que a chance de receberem essas informações em outros locais é quase nula.

Em algum nível eu interpreto a falta de informação como falha de todo o processo de democratização, pois, da forma atual, muitas vezes as políticas de ingresso nem chegam ao conhecimento de quem mais precisa delas.

É preciso que, no pacote de políticas, também haja instrumentos que criem pontes entre elas e todas as salas de aula da rede pública brasileira. Só assim nós poderemos dizer que o estudante da rede pública decidiu o que fazer após o fim da escola. Sem isso, quase sempre é uma escolha limitada pela falta de informação.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.