Pandemia agrava crise de refugiados venezuelanos no Peru
25 de junho de 2020Assim como outros cerca de 5 milhões de venezuelanos, Carmen Parra deixou seu país em busca de felicidade no exterior, e a encontrou em Lima, a 3 mil quilômetros da sua cidade natal, Guárico. A história da jovem médica, que há dois anos vive no Peru, é um alento em tempos de coronavírus.
"Sozinha com meus três filhos, eu deixei a Venezuela há dois anos por causa da crise econômica. O meu marido, minha mãe e meu pai morreram. Apesar de ter estudado medicina na Venezuela, trabalhava como recepcionista, garçonete e operadora de caixa", conta Parra.
No Peru, graças ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Parra conseguiu reconhecer seu diploma venezuelano. "Agora trabalho num hospital em Lima e num serviço de emergência privado."
A jovem de 35 anos é uma das médicas da linha de frente que cuida de pacientes com o coronavírus. De forma incansável, eles tentam fazer com que o país achate a curva de infecções e contenha o aumento no número de mortes, que chega atualmente a quase 8 mil.
O trabalho de Parra tem resultados positivos. "Cuidei de um homem de 65 anos com sintomas de coronavírus durante três dias. Ele estava muito doente e, em certo momento, foi transferido [para outro hospital]", conta. "Achava que ele não havia sobrevivido. Até que, alguns dias depois, de repente, ele apareceu na minha frente e me agradeceu por salvar sua vida."
Para Parra, o Peru foi tão duramente atingido pelo coronavírus, apesar de ter decretado um dos confinamentos mais rígidos da região, devido ao fato de que muitos não respeitaram as regras de distanciamento social.
A médica deseja regressar à Venezuela algum dia, mas não num futuro próximo. E acrescenta que só em Lima consegue sustentar os três filhos: Sophia (13 anos), Fidel (6) e Isabella (3). Ela também passou a aceitar com indiferença hostilidades que sofre por sua origem. "Alguns me dizem: 'você é venezuelana e médica? Isso não é possível!'", conta. "Mas, ainda assim, muitos mudam de opinião depois de serem tratados por nós, venezuelanos", acrescenta.
Histórias como a de Parra ou de outros refugiados venezuelanos que trabalham como médicos, por exemplo, em vilas mais remotas na selva e nas montanhas, aonde nenhum profissional de saúde peruano quer ir voluntariamente são a exceção e não a regra.
A triste realidade da maioria dos refugiados venezuelanos no Peru é outra, e ninguém a conhece melhor do que Federico Agusti. "Muitos venezuelanos nos dizem que se alimentam só uma vez por dia, que dormem mais para reduzir a fome ou que não comem nada para que pelo menos seus filhos tenham algo para comer", conta o argentino que é representante da Acnur em Lima.
Dupla emergência
Atualmente, 830 mil venezuelanos formam a maior comunidade estrangeira no Peru. Destes, 480 mil pediram asilo. Depois da Colômbia, o Peru recebeu o maior número de venezuelanos que fugiram da crise política e humanitária que se alastra há anos no país. A crise do coronavírus atinge os refugiados duplamente, e Agusti a chama de "a emergência dentro do estado de emergência".
"Nove em cada dez venezuelanos trabalham no setor informal no Peru e, em média, recebem um salário 40% menor do que os peruanos", conta Agusti. "A maioria deles não teve a oportunidade de economizar dinheiro ou, de alguma forma, se preparar para as medidas rigorosas de confinamento que começaram em meados de março. Nós estimamos que cerca de 270 mil venezuelanos estão sendo extremamente afetados pela crise. Eles não têm comida, medicamentos e nem teto."
Agusti não tem dormido muito ultimamente. Ele tenta freneticamente distribuir os refugiados mais necessitados nas 650 camas em abrigos oferecidas pelo Acnur no Peru. Pacientes com covid-19 ligam diariamente para ele, pois o vírus atinge mais duramente onde a desigualdade social é maior.
Mas como isolar os infectados? Como cumprir as regras de distanciamento em espaços limitados? E como rastrear as cadeias de infecção?
Por causa do coronavírus, dezenas de milhares estão agora a caminho de casa. "Muitos regressam à Venezuela porque têm medo de que seus pais e avós que ficaram por lá morram de covid-19", conta Agusti. O funcionário da Acnur diz ainda que muitos temem morrer longe de casa.
Assim, a crise de coronavírus desencadeou uma segunda onda de refugiados no Peru. Porém, desta vez, os migrantes fazem o caminho contrário em direção ao Equador, Colômbia e Andes até a Venezuela.
Agusti diz que esse caminho de retorno é incomparavelmente mais perigoso para os venezuelanos do que quando eles foram para o Peru. "As fronteiras estão todas fechadas, e as pessoas estão caminhando e atravessando a fronteira ilegalmente. E, pelo caminho, elas estão à mercê de bandos criminosos e da exploração sexual."
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