Palavras e imagens também são armas
15 de fevereiro de 2003No caso de um ataque militar contra o Iraque, os habitantes do país serão diretamente afetados, mas terão poucas possibilidades de adquirir uma visão abrangente sobre os acontecimentos. Os meios de comunicação são controlados pelo Estado e só divulgam o que convém a Saddam Hussein e seus asseclas, ou seja: propaganda. Jornais e emissoras de TV internacionais como a CNN ou a Al Jazeera são praticamente inacessíveis ao cidadão comum; a internet é pouco difundida. E, mesmo quando presente, a oferta passa pelo controle de um provedor estatal, que bloqueia as mais importantes fontes ocidentais online.
Povo sabe o que se passa
As melhores fontes de informação neutras a que a população tem acesso continuam sendo as emissoras internacionais de ondas curtas e médias, tais como a Deutsche Welle, Radio Monte Carlo e a BBC. A censura iraquiana pode até interferir com sinais de rádio próprios, mas não consegue impedir totalmente a recepção. Ao visitar Bagdá em outubro passado, o redator do Programa Árabe da Deutsche Welle Abdul Rahman Othman teve a impressão de que muitos iraquianos ouvem esse tipo de programas de rádio.
"O pessoal sabe o que está acontecendo. Não é assim que as pessoas não saibam de nada. Elas estão informadas sobre os argumentos dos americanos e do Ocidente em geral", diz Othman. "Foi diferente da minha visita em 1991", prossegue. "As pessoas estão com muita, muita raiva dos americanos. É que as sanções afetaram a população — e não o governo. Eu não fiquei com a impressão de que o pessoal acredita nos argumentos dos americanos."
Claro que o governo dos EUA tem conhecimento disso e toma suas providências. Já agora existe no Iraque propaganda contra Saddam em forma de programas radiofônicos e da distribuição de volantes.
Opinião pública segundo George W. Bush
Mas Washington quer influenciar também a opinião pública no próprio país e em outras nações ocidentais. Para tal, o governo se orienta essencialmente por duas estratégias:
1) Pela primeira vez, Washington tenta integrar um grande número de jornalistas no processo, concedendo a muitos deles a permissão de ir para o front, tarefa para a qual estão sendo especialmente preparados. Com isso — acredita-se — os jornalistas, estando ao vivo em meio aos acontecimentos, talvez tendam menos a fazer pesquisas próprias e críticas. Principalmente se se atribuírem a eles também uma certa responsabilidade — por exemplo, pela segurança dos soldados americanos —, fornecendo-lhes ao mesmo tempo com a maior rapidez possível as imagens e o material sonoro de que precisam para suas reportagens.
Também Peter Philipp, da Deutsche Welle, experiente correspondente de guerra e especialista em Oriente Médio, é bastante crítico quanto à nova "transparência" americana perante os meios de comunicação "Acho que a gente não deveria ter grandes ilusões. Vão ser jornalistas muito bem selecionados — e, provavelmente, em primeira linha jornalistas americanos", diz ele, "justamente para poder despertar na mídia americana e na opinião pública do país a atitude 'certa' perante essa guerra."
2) A segunda estratégia refere-se à guerra psicológica. O plano dos EUA — bastante criticado — de abastecer a opinião pública mundial intencionalmente com informações falsas já foi passado para trás. Só que, no lugar dos planejados Escritórios para Influenciação Estratégica, instalou-se agora em Washington um Escritório para Comunicação Global. Já deve ser mérito dessa agência que muitos meios de comunicação americanos, contrariando versões anteriores, tenham passado a afirmar que Saddam Hussein expulsou os inspetores da ONU ilicitamente, em 1998. Esta versão é pelo menos controvertida. Segundo outras fontes, o então chefe dos inspetores, Richard Butler, teria ficado sabendo dos ataques iminentes dos EUA e retirado sua equipe voluntariamente.
Verdades forjadas
Na guerra contra o Kuweit, no início dos anos 90, o Iraque não foi o único a abastecer a opinião pública mundial com informações enganosas. As forças aliadas também conseguiram bons resultados propagandísticos com uma notícia sobre o pretenso assassinato de centenas de bebês kuweitianos pelas tropas iraquianas. Só mais tarde se ficou sabendo que a história tinha sido inventada por uma agência de relações públicas. Outro exemplo: o Iraque afirmou em 1991 que os EUA bombardearam civis. Os EUA, por sua vez, declararam que o Iraque postou de propósito armas pesadas em zonas residenciais, fazendo uso da população como escudos humanos.
Em meio aos acontecimentos de uma guerra, os jornalistas muitas vezes não têm tempo nem possibilidade de averiguar a veracidade de informações desse tipo. E quando a fonte é uma das partes conflitantes, os meios de comunicação não podem ignorá-las. O único que podem fazer é passar as informações adiante caracterizando-as como afirmações não averiguáveis. De qualquer forma, fica a questão sobre até que ponto o usuário comum consegue distinguir a sutil diferença.
É verdade que, ao contrário dos iraquianos, a população de países onde reina a liberdade de imprensa pode informar-se sobre o conflito em diversas fontes. As pessoas podem comparar meios de comunicação pró-americanos com outros que sejam mais críticos; recebem informações tanto da parte americana quanto de correspondentes em Bagdá. Só que a liberdade de movimento dos jornalistas é restrita, tanto aqui como lá, como sabe Peter Philipp por experiência própria — e o grande número de fontes acaba contribuindo para confundir mais. "Ainda assim, é melhor do que quando se está o tempo todo numa sala de conferência em Doha ou Washington. No fundo, é uma ilusão pensar que se é capaz de obter um quadro 'objetivo', equilibrado, numa situação dessas."