Pai com elo nazista assombra candidato a presidente do Chile
8 de dezembro de 2021O pai alemão do candidato de extrema direita à Presidência do Chile José Antonio Kast era membro do partido nazista de Adolf Hitler. A revelação consta num documento descoberto recentemente e obtido pela agência de notícias Associated Press, e parece contradizer declarações de Kast sobre o serviço militar de seu pai durante a Segunda Guerra Mundial.
Nesta semana, autoridades da Alemanha confirmaram que um cartão de identificação presente no Arquivo Federal do país mostrou que um jovem de então 18 anos chamado Michael Kast ingressou no Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP) em 1º de setembro de 1942, no auge da ofensiva de Hitler contra a União Soviética.
Embora o Arquivo Federal alemão não possa confirmar se esse Michael Kast é de fato o pai do candidato à Presidência chilena, a data e o local de nascimento impressos no cartão correspondem aos do pai de Kast, que morreu em 2014.
Uma cópia do documento, no qual consta o número de membro 9271831, já havia sido compartilhada em 1º de dezembro pelo jornalista chileno Mauricio Weibel.
A revelação trouxe uma nova reviravolta à corrida eleitoral no Chile, que vai às urnas em 19 de dezembro para eleger seu presidente no segundo turno das eleições.
O pleito será disputado por duas figuras politicamente opostas: de um lado, o extremista de direita Kast, de 55 anos, e de outro, o candidato Gabriel Boric, de 35 anos, que representa uma aliança de esquerda que inclui o Partido Comunista do Chile.
A campanha foi ainda marcada por um intenso fluxo de desinformação que distorceu o histórico e as promessas eleitorais do parlamentar esquerdista Boric.
Kast, do recém-formado Partido Republicano, terminou o primeiro turno das eleições presidenciais em novembro em primeiro lugar, com apenas dois pontos percentuais à frente de Boric.
As últimas pesquisas de opinião apontam, contudo, uma ligeira vantagem no segundo turno para o esquerdista, que têm acenado para o centro a fim de conquistar o apoio dos eleitores preocupados com um governo de esquerda.
Laços com Pinochet
A família de Kast, um católico romano fervoroso e pai de nove filhos, tem laços profundos com a ditadura militar de Augusto Pinochet, que assumiu o poder no Chile após um golpe em 1973. Miguel Kast, irmão de José Antonio Kast, atuou como presidente do banco central durante a ditadura.
"Se ele estivesse vivo, votaria em mim", afirmou Kast sobre Pinochet durante sua campanha à Presidência em 2017, quando somou apenas 8% dos votos. "Nós tomaríamos chá juntos [no palácio presidencial]", acrescentou o candidato.
Ao longo da campanha eleitoral deste ano, Kast vem promovendo valores familiares conservadores, atacou migrantes do Haiti e da Venezuela os quais ele culpa por crimes, e tachou Boric de marionete dos comunistas chilenos.
Ele tem feito incursões junto aos eleitores da classe média preocupados com que Boric – um ex-líder estudantil – venha a prejudicar três décadas de estabilidade econômica e política que tornaram o Chile motivo de inveja de muitos na América Latina.
Para ressaltar essas preocupações, Kast viajou na semana passada a Washington e se reuniu com investidores americanos, bem como com o senador Marco Rubio, o mais importante republicano no subcomitê responsável pelas relações dos Estados Unidos com a América Latina.
A filiação ao partido nazista
A revelação sobre o passado nazista do pai de Kast gerou acusações de que o candidato ultradireitista estaria escondendo elementos importantes do histórico de sua família.
Não está claro, porém, se Kast tinha conhecimento do cartão que comprova a filiação de seu pai ao partido de Hitler. Carolina Araya, porta-voz da campanha de Kast, não quis comentar o caso quando procurada diversas vezes pela Associated Press.
No passado, o político chileno já rejeitou ferozmente alegações de que seu pai apoiava a ditadura nazista, descrevendo-o como um recruta forçado no Exército alemão.
"Por que você usa o adjetivo nazista?", declarou ele em 2018 em uma aparição na televisão, na qual ele disse se orgulhar de seu pai e acusou um importante jornalista chileno de espalhar mentiras.
"Quando há uma guerra e o alistamento [militar] é obrigatório, um rapaz de 17 ou 18 anos não tem a opção de dizer 'Eu não vou', porque senão ele seria submetido à Corte marcial e morto a tiros no dia seguinte", afirmou Kast mais tarde naquele mesmo ano, em postagem nas redes sociais.
Não há evidências de que Michael Kast teve um papel nas atrocidades cometidas pelos nazistas, como o genocídio dos judeus. Mas enquanto o serviço militar era obrigatório aos alemães, a adesão ao partido nazista era voluntária.
"Não temos um único exemplo de alguém que foi forçado a entrar no partido", afirma Armin Nolzen, um historiador alemão que pesquisou extensivamente filiações ao NSDAP.
Michael Kast se filiou ao partido em 1942, apenas cinco meses após completar 18 anos – a idade mínima requerida para a adesão. Ele teria ainda feito parte da Juventude Hitlerista por pelo menos quatro anos antes de ingressar no NSDAP e teria sido recomendado pelo líder do distrito, segundo Nolzen. Ao todo naquele ano, o partido de Hitler somava 7,1 milhões de membros, cerca de um décimo da população alemã.
O especialista Michael Buddrus, do Instituto Leibniz de História Contemporânea, em Berlim, alertou contra superestimar a importância da filiação ao NSDAP entre alemães tão novos, mas concordou que Kast deve ter ingressado no partido por conta própria.
O clã no Chile
Ao fim da guerra, Michael Kast imigrou para o Chile em 1950 e foi seguido um ano depois por sua esposa e seus dois filhos mais velhos. A família se estabeleceu em Paine, uma comunidade rural ao sul da capital chilena, Santiago.
O casal acabou criando um pequeno negócio que vendia frios em um quiosque à beira da estrada, e o transformou em uma rede nacional de restaurantes e fabricantes de alimentos embalados.
Uma lei de 1995, aprovada pelo Congresso do Chile, concedeu a Michael Kast a cidadania chilena. A medida destacava as profundas raízes católicas do ex-soldado alemão e seu "espírito grandioso de justiça social" que se traduziu em seu papel em ajudar a construir capelas, hospitais e um centro juvenil, assim como fornecer aos empregados de sua companhia, Cecinas Bavaria, os meios para comprar suas próprias casas.
Mas havia um lado sombrio – ligado a Pinochet – por trás do sucesso do clã.
Segundo o jornalista chileno Javier Rebolledo, que em 2015 lançou um livro sobre colaboradores da ditadura Pinochet, agitadores e camponeses de esquerda ameaçaram expropriar os negócios da família Kast durante a gestão socialista de Salvador Allende.
Logo após o golpe de Pinochet contra Allende, a polícia em Paine sequestrou à luz do dia um jovem militante, Pedro Vargas, que vinha organizando funcionários da empresa de Kast.
Em meio ao frenesi do desaparecimento, outro irmão de José Antonio Kast, Christian Kast, então com 16 anos, distribuiu comida para a polícia municipal. No dia seguinte, ele foi a um churrasco na delegacia, onde viu uma dezena de detentos com a cabeça raspada – Vargas não estaria entre eles – que foram levados e nunca mais reapareceram. Essas informações foram relatadas por Christian em 2003 em depoimento aos investigadores do desaparecimento de Vargas.
Desesperado, um parente do jovem desaparecido procurou Michael Kast. "Achei que ele fosse nos ajudar", disse o familiar à Associated Press sob condição de anonimato, temendo retaliação cinco décadas depois. "Mas ele me disse 'Vá para casa, esta é uma guerra de vida ou morte'. Eu não podia acreditar", disse o parente de Vargas.
Hoje, a poucos quilômetros da casa do candidato à Presidência, símbolos das paixões que marcaram a curta vida de Pedro Vargas – um livro, a escala da justiça e seu cachorro – decoram um dos 70 mosaicos em homenagem a cada uma das vítimas sequestradas dessa bucólica cidade, marcada pelo maior número de desaparecimentos per capita em todo o Chile.
ek (AP, ots)