Pacientes de Gaza com câncer não conseguem voltar para casa
23 de novembro de 2023Algumas cadeiras de plástico dispostas em círculo servem como ponto de encontro para um grupo de pacientes palestinos com câncer no Hospital Augusta Victoria, em Jerusalém Oriental – área sob o controle de Israel.
Eles saíram de Gaza para tratamento médico alguns dias antes de 7 de outubro, quando o Hamas lançou um ataque terrorista no sul de Israel, matando 1.200 e fazendo mais de 200 reféns, de acordo com números do governo israelense.
Agora, esses pacientes lutam não apenas contra o câncer, mas também contra o sentimento devastador de não poder voltar para casa e estar com suas famílias enquanto o conflito se desenrola em Gaza.
"Entendemos que eles estão extremamente ansiosos e nervosos e que precisamos fazer mais do que apenas oferecer um lugar para ficar e comida. Eles precisam conversar sobre o que está acontecendo, sobre o que estão passando", disse um dos assistentes sociais do hospital, que preferiu não se identificar.
"Muitos se sentem culpados porque aqui há eletricidade, água, comida e tudo mais. E, às vezes, ouvem dos filhos [em Gaza] que eles estão passando fome. Isso realmente está os matando."
Cerca de 100 pacientes palestinos e seus parentes estão retidos no Hospital Augusta Victoria, administrado pela Federação Luterana Mundial. Localizado em uma colina com vista para a Cidade Velha de Jerusalém, o hospital recebeu esse nome em homenagem à esposa do imperador alemão Guilherme 2º, que visitou a cidade em 1898. O local oferece tratamento especializado contra o câncer, um serviço não está disponível na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia ocupada. Atualmente, eles estão hospedados em hotéis e pousadas nas proximidades do hospital.
Abu Jamal – nome fictício – deveria ficar apenas alguns dias em Jerusalém Oriental e, depois, retornar à Gaza em 8 de outubro. Ele viajou com a esposa, deixando seus sete filhos com parentes. "Eles nem sempre querem me contar como as coisas realmente estão para me proteger, mas estou muito preocupado", disse.
Abu Jamal é de al-Rimal, um bairro rico no centro da Cidade de Gaza que, segundo informações, foi bastante destruído. Sua família deixou a região quando os militares israelenses lançaram panfletos no início da guerra pedindo aos residentes do norte que fossem para o sul.
"Minha família foi para o sul, mas também não se sentiu segura lá. Eles voltaram, mas não há mais nada lá, nenhuma padaria, nenhuma segurança, simplesmente nada."
Bloqueio de Gaza dificulta o tratamento do câncer
Outro paciente, que está na casa dos setenta anos e não quis revelar o nome, mal conseguia falar sem chorar. "Às vezes não consigo falar com minha família por dois ou três dias. Eles estão todos dispersos em diferentes lugares", contou.
Ele disse que temia ouvir más notícias quando ligava para casa. Há apenas alguns dias, foi informado de que uma de suas filhas e o marido haviam sido mortos em um ataque aéreo israelense. "Não sobrou nada da casa, eles me disseram. Não há mais nada para onde voltar", lamentou.
Na ala infantil, Um Ahmed está sentada ao lado da neta, Samar, uma criança pequena que passa por tratamento de quimioterapia. Muito nova para entender o que está acontecendo em casa, Samar sorri.
Seus pais moram no campo de refugiados de Al-Shati na Cidade de Gaza, uma área próxima ao mar no norte de Gaza, onde tem ocorrido combates violentos. Os dois não foram autorizados a viajar a Jerusalém, por isso quem acompanha a menina é a avó. "Ela sente falta da mãe", disse Um Ahmed.
Sempre foi difícil para os pacientes palestinos do Hospital Augusta Victoria saírem de Gaza, pois Israel e Egito têm controlado rigidamente a movimentação de pessoas que entram e saem do território governado pelo Hamas nos últimos 16 anos.
Os pacientes que precisam de tratamento especializado não disponível em Gaza costumavam recebê-lo em Israel. Mas, para isso, é preciso solicitar uma permissão das autoridades israelenses para atravessar a passagem de Erez, a única forma de pedestres chegarem a Israel. Alguns pacientes também eram encaminhados para a Cisjordânia ocupada, que inclui Jerusalém Oriental, como é o caso das cerca de 100 pessoas "ilhadas" agora no Hospital Augusta Victoria.
Conseguir a autorização era um processo burocrático demorado. E as permissões, se concedidas, eram dadas apenas ao paciente e a um parente para acompanhá-lo.
Agora, a volta para casa está totalmente bloqueada: Israel mantém fechadas desde 7 de outubro as duas passagens de fronteira – a de Kerem Shalom para mercadorias e a de Erez para pedestres. Não está claro se e quando elas serão reabertas.
Pelo menos três pacientes de Gaza morreram. Seus parentes foram deportados pelas autoridades israelenses, assim como vários milhares de trabalhadores de Gaza que estavam em Israel em 7 de outubro.
Para a equipe médica, a situação é de grande preocupação. Eles não temem apenas pelos pacientes retidos em Jerusalém Oriental, mas também por aqueles em Gaza que não poderão viajar no futuro para fazer o tratamento.
"Nossos pacientes são doentes crônicos. Eles precisam de cuidados contínuos e de longo prazo", disse Fadi Atrash, diretor-executivo do Hospital Augusta Victoria.
Pelo menos 39 pacientes de Gaza perderam suas sessões de radioterapia no hospital desde 7 de outubro por não poderem viajar. Outros 180 foram forçados a desistir da quimioterapia.
"Não sabemos nem mesmo se eles estão vivos ou mortos", disse Atrash, acrescentando que não fazer o tratamento "significa morte". "Porque isso é câncer. Se você não começar a tratá-lo a tempo e da maneira adequada, os riscos de morrer são grandes", destacou.
Hospitais fechados
Pelo menos 25 dos 36 hospitais de Gaza não estão mais em funcionamento, de acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os fortes combates em torno deles e a escassez de suprimentos, eletricidade e água tornaram muitas instalações de saúde incapazes de prestar assistência aos feridos, muito menos a pacientes com doenças crônicas.
A equipe médica do Augusta Victoria mantém contato com os colegas em Gaza, principalmente no Turkish Hospital, ao norte, que costumava tratar pacientes com câncer.
"Às vezes tentamos não ligar porque não queremos ouvir a notícia de que outro colega foi morto", disse Atrash. "E simplesmente porque sabemos que eles estão trabalhando em uma situação muito difícil, sem suprimentos, sem eletricidade, sem água, sem comida suficiente para lidar com esse alto número de vítimas. Mas também porque estamos perdendo nossos colegas e isso é muito doloroso."
Abu Jamal disse que os pacientes, apesar do risco e de suas próprias dificuldades de saúde, querem voltar logo a Gaza. "Somos muito gratos por estarmos sendo atendidos aqui", disse ele. "Mas eu quero voltar. Quero estar de volta com minha família."