Os rumos de Cuba na era pós-Castro
20 de abril de 2018Há quase 60 anos, Fidel e Raúl Castro desciam as montanhas de Sierra Maestra com um grupo de guerrilheiros comunistas para derrubar o autoritário Fulgencio Batista, que era apoiado pelos EUA.
Desde então, os cubanos não conheceram outra coisa a não ser os Castro à frente do poder num Estado comunista de partido único, primeiro com Fidel, depois, na última década, com Raúl, após o irmão mais velho ficar doente e, em 2016, morrer. Tudo isso mudou nesta quinta-feira (19/04), quando o vice-presidente Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, assumiu a presidência no lugar de Raúl, de 86 anos.
Engenheiro por formação, com sólida carreira no aparato do partido, Díaz-Canel é o primeiro chefe de Estado cubano nascido após a revolução comunista de 1959. Mas os analistas são céticos sobre as chances de ele implementar mudanças significativas, incluindo as tão necessárias reformas econômicas e a suspensão das restrições políticas.
"Não devemos esperar mudanças políticas drásticas como resultado da sucessão", avalia William LeoGrande, professor especializado em política cubana da American University. "Se ele não estivesse em acordo substancial com a agenda política de Raúl Castro, não seria o sucessor designado."
Eduardo Gamarra, professor de política da América Latina na Universidade Internacional da Flórida, ressalta que Díaz-Canel não é um político progressista ou liberal. "Ele não tem interesse em acelerar com algum tipo de abertura que possa levar a um regime mais liberal", diz.
Raúl deve permanecer como presidente do Partido Comunista até 2021. Isso significa que ele terá enorme influência política, mas também poderá ser útil a Díaz-Canel caso este decida empreender reformas econômicas contrárias a interesses arraigados no governo e das burocracias partidárias. "Se Díaz-Canel tomar uma decisão corajosa ou difícil, mas boa, Raul pode dizer 'eu o apoio' e assim facilitar o caminho", avalia o especialista Jorge Dominguez, da Universidade de Harvard.
Câmbio duplo
Quando Raúl chegou ao poder, em 2008, ele implementou uma série de reformas econômicas, mas não teve condições ou vontade de eliminar um sistema de moeda dupla e múltiplas taxas de câmbio, apesar de ter anunciado que iria fazê-lo. O sistema tem um tipo de peso cubano valendo 1 por 24 em relação ao dólar para os cubanos comuns, que recebem subsídios, e outro, o peso conversível (CUC), que tem paridade com o dólar, numa cotação de 1 para 1 para empresas estatais, dando, àqueles com acesso ao CUC, as significativas vantagens de uma moeda forte.
"O foco provável de Díaz-Canel é o que deveria ser a política monetária e cambial de Cuba", diz Dominguez. "Para a gestão econômica, é imperativo unificar as moedas e taxas de câmbio." Falar sobre os problemas monetários sem fazer nada para resolvê-los "condenaria a economia cubana a mais uma década de estagnação econômica, uma das características menos atraentes do legado de Raul", acrescenta.
Uma reforma do sistema monetário necessariamente seria redistributiva, o que criaria vencedores e perdedores. Isso, por sua vez, pode gerar incerteza política. "A resistência às reformas vêm em parte do medo de suas ramificações políticas, bem como do interesse próprio dos burocratas", avalia LeoGrande. Mas tanto ele quanto Dominguez creem que os militares, que controlam tudo, desde fazendas estatais a fábricas e hotéis, apoiam uma reforma econômica e provavelmente vão se beneficiar dela.
A urgência de uma reforma econômica e da atração de investimentos se revela no momento em que a crise política e econômica da Venezuela atinge Cuba em cheio. Como principal aliado político de Havana na América, o regime venezuelano reduziu significativamente o fornecimento de petróleo subsidiado, num golpe para a economia de Cuba.
Relações com os EUA
Díaz-Canel assume o poder num momento em que as relações com os Estados Unidos entraram em declínio, depois de uma reaproximação histórica sob o governo do ex-presidente Barack Obama. Os dois países restabeleceram relações diplomáticas em 2015, apesar de um longo embargo comercial americano de décadas, que só pode ser suspenso pelo Congresso. A aproximação entre EUA e Cuba contribuiu para que o número de turistas mais que duplicasse e levou a um aumento nas remessas.
A administração Trump, no entanto, parece decidida a reverter essas políticas. Já restabeleceu algumas restrições de viagens e comerciais, em parte devido ao que a Casa Branca alega ser preocupação com direitos humanos, presos políticos e a ausência de eleições livres e justas.
Em acréscimo às tensões, uma série de misteriosos ataques sonoros em 2016 e 2017 deixou doentes pelo menos 20 diplomatas americanos em Havana. Os supostos ataques, cuja origem ainda é desconhecida, levaram os EUA a remover a maioria de seus funcionários diplomáticos de sua embaixada e a expulsar 15 diplomatas cubanos de sua embaixada em Washington.
A abordagem de Trump em relação a Havana é apoiada por radicais republicanos, especialmente políticos cubano-americanos, como o senador Marco Rubio, da Flórida, onde vive grande parte da diáspora cubana anti-Castro. Assim, a política de Trump para Cuba foca em atender sua base de eleitores na Flórida e pagar dívidas políticas.
"Díaz-Canel não será muito receptivo a nenhuma iniciativa vinda de cubano-americanos linhas-dura em questões como a sociedade civil e a democracia", crê Gamarra. "Os radicais nos EUA tornam mais fácil para ele a tomada desse tipo de posição." Gamarra observa que Cuba se tornou mais próxima econômica e politicamente da Rússia e da China, países que não vinculam investimentos a questões de direitos humanos e democracia.
No entanto, Dominguez aponta que, embora Cuba não seja a principal prioridade de Trump, as relações parecem ser piores do que realmente são. "Os EUA e o governo cubano mantêm uma estreita cooperação na área de segurança, as guardas costeiras, a migração, as fronteiras da base de Guantánamo, o rastreio de furacões, a cooperação oceanográfica de pesquisa, a aviação civil e centenas de milhares de pessoas continuam viajando dos Estados Unidos para Cuba", enumera. "Tudo isso está escondido sob uma retórica rouca, rabugenta e dura. Essa é a barganha política que Trump conseguiu: deixar o bom legado político de Obama, mas mudar a retórica."
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