Os rostos perdidos de Auschwitz
24 de maio de 2005Theodor W. Adorno dizia que escrever um poema depois de Auschwitz é uma atitude bárbara. E expor imagens criadas em Auschwitz pelos próprios prisioneiros? O Museu Auschwitz-Birkenau em Oswiecim (Polônia) conserva 1470 obras de autoria tanto de artistas plásticos que passaram ou morreram no campo de concentração, quanto de pessoas que descobriram ali a arte como forma de se distanciar do horror.
Torturas e ilusões
Dividida em três módulos – Presos, Arte como Fuga e Rostos – uma mostra organizada em Berlim pelo Centrum Judaicum, a partir do acervo do Museu, reconstrói três "aspectos" da arte em Auschwitz: as torturas, a miséria e a morte; as imagens românticas construídas sob pressão dos oficiais nazistas, que mostravam ao mundo que ali se vivia "normalmente"; e um terceiro grupo de obras que oscila entre a realidade e a idealização de um mundo isento de torturas. Estas talvez uma tentativa de fornecer a parentes longe dali a ilusão de que a sobrevivência era possível.
A intenção da mostra é fazer com que o olhar do espectador se volte para cada obra, mesmo considerando que nenhuma delas pode ser dissociada do que Auschwitz representou para a história da humanidade. O sofrimento físico e psíquico é visível nas séries de retratos – principal pilar da exposição –, mostrando como a arte era utilizada como forma elementar de sobrevivência num contexto carregado da ameaça imediata da morte.
"Estes portraits constituídos na clandestinidade me deixavam esquecer, me levavam a outro mundo, ao meu mundo da arte. Eu simplesmente ignorava o fato de que o ato de desenhar era punido com a morte, não porque eu fosse corajoso, mas porque eu não dava atenção ao perigo, mesmo ele sendo tão gritante", relatou o artista Franciszek Jazwiecki em 1946.
Nova forma de discutir o Holocausto
Para os curadores da mostra, a personificação do horrror que vem à tona através das obras de arte criadas pelos prisioneiros "oferece uma nova forma de discussão sobre a história do genocídio e de Auschwitz".
Algumas delas são uma resposta pessoal ao inferno, como a obra de Józef Szajna, na qual 37 impressões digitais do polegar do próprio artista são distribuídas em cinco linhas e sobrepostas a imagens de tórax delineadas com traços interrompidos a lápis.
Busca do registro como pessoa
São rostos perdidos, irreconhecíveis entre milhares de outros, mas a existência da impressão digital única, pessoal e inconfundível reafirma a existência destas pessoas. Muitos dos "artistas de Auschwitz" reproduziam seus próprios rostos ou de outros prisioneiros, devolvendo a si mesmos e ao outro ao lado a dignidade perdida no campo de concentração.
A grande maioria das obras foi criada por poloneses. Antes de se transformar no campo de extermínio que deixou 1,5 milhão de judeus mortos, Auschwitz serviu de campo de concentração para prisioneiros poloneses. Muitos deles eram artistas, que escondiam a profissão. Em raros momentos, no entanto, escapavam do mundo do horror para se dedicarem aos registros da história da sobrevivência através da arte.
A exposição Arte em Auschwitz 1940–1945 pode ser vista no Centrum Judaicum em Berlim até o próximo 14 de agosto.