Os falsos moralistas
25 de outubro de 2018Basta criticar Jair Bolsonaro, que lá vêm eles, seus fãs. Rapidamente, recebe-se a alcunha de "comunista". Ou de "socialista". Recebe-se a recomendação de voltar à Alemanha. Ou à Venezuela. Ou a Cuba.
O argumento mais frequente dos apoiadores de Bolsonaro é o PT. Até quando a legenda nem é mencionada, para não dizer elogiada, é-se acusado de ser petista. Os autores dos comentários então escrevem que o PT destruiu o Brasil e que a corrupção e a criminalidade estão por toda parte.
Mas agora, segundo os bolsonaristas, a lei e a ordem finalmente serão restabelecidas. Com Bolsonaro, dizem, os cidadãos de bem chegarão ao poder.
Eu me pergunto que aparência terão essa lei e essa ordem sob Bolsonaro. Porque nem o próprio Bolsonaro, nem seus apoiadores as respeitam.
Alguns exemplos:
Bolsonaro teria sido beneficiado ilegalmente com o auxílio de campanha de alguns empresários. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, eles compraram pacotes de disparos de centenas de milhões de mensagens de propaganda contrária ao PT no Whatsapp. Isso configuraria uma clara violação da legislação eleitoral brasileira, que proíbe a doação de empresas para campanha. Ou seja, Bolsonaro teria um Caixa 2, e a Justiça Eleitoral está investigando. Bolsonaro diz que não sabia de nada, mas os números de telefone para os quais as mensagens foram enviadas seriam da base de usuários fornecida pela campanha do próprio candidato.
Além disso, as mensagens ferem o decoro civil, antigamente um dos principais traços do conservadorismo. É que, quase sempre, tratava-se de notícias mentirosas. Nada era absurdo demais. Uma "novidade" que circulou entre os fãs de Bolsonaro foi a do Dr. Claudio Machado, "cônsul do Consulado Europeu no Brasil". Aparentemente, Machado havia recomendado o voto em Bolsonaro. O problema: a União Europeia não tem cônsul no Brasil!
Os apoiadores de Bolsonaro espalharam a notícia assim mesmo, tal como a mentira sobre o "kit gay" ou sobre "a Ferrari amarela de Haddad". Que cidadãos do bem são esses, que levantam falsos testemunhos e mentiras?
Mais um exemplo: há poucos dias, no Paraná, a banda alemã Voxxclub recebeu um bilhete no palco com o pedido de lê-lo em voz alta. Sem saber o que estava escrito, um dos integrantes disse: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". A plateia gritou, entusiasmada: "mito, mito, mito". Pouco tempo depois, a banda tornou público, através da DW Brasil, que havia sofrido um abuso de confiança e se distanciou totalmente da ação.
É claro que agora se dirá que o PT também distribui fake news. O que é verdade, ainda que numa dimensão menor. Mas não se trata mais do PT. Trata-se de medir Bolsonaro, que quer governar a partir de janeiro, e seus apoiadores pelos seus próprios valores, aparentemente cristãos.
Se ficássemos "só" nas mentiras, a coisa talvez não fosse tão grave. Mas a hipocrisia continua. Bolsonaro e seus apoiadores dizem que querem combater a corrupção. Por coincidência, conheci um funcionário de uma prefeitura do estado do Rio de Janeiro. Ele é um eleitor entusiasta de Bolsonaro. E desvia dinheiro do orçamento para a educação de sua comunidade. Diz que isso é normal, que todo mundo faz isso.
Os apoiadores de Bolsonaro também dizem que a disciplina e o respeito precisam voltar a prevalecer no Brasil. Mas eles mesmos não respeitam. Não só na internet, nas ruas também.
A Agência Pública de Jornalismo Investigativo documentou mais de 50 ataques, entre agressões e ameaças, de fãs de Bolsonaro em todo o Brasil. Entre eles, o que vitimou uma jovem presa, jogada nua numa cela de delegacia em São Paulo e só libertada após pronunciar: "Ele sim!".
É essa a aparência do novo Brasil de ordem, do Brasil decente?
"Vai para o inferno. Puta. Você vai se arrepender de ter nascido. O aviso está dado. Mais uma palavra e eu vou pessoalmente atrás de você." Essas são frases escritas por um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, à jornalista Patrícia de Oliveira Souza Lélis. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou denúncia criminal contra ele. "Mais uma palavra e eu acabo com você", continuam as mensagens de Eduardo Bolsonaro.
É essa a linguagem dos novos cidadãos de bem brasileiros?
Ou será que eles acreditam que a lei e o decoro só valem para os outros, mas nunca para eles mesmos? Em última instância, eles são como os porcos na obra A revolução dos bichos, de George Orwell, que tomam o poder e escrevem no celeiro: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros"?
Sempre foi característico de grupos radicais acreditar que os fins justificam os meios. O movimento bolsonarista quer introduzir a lei e a decência. Mas ele mesmo acredita poder violar lei e decência para ajudar o seu messias a chegar ao poder. Com Lula, exigem o respeito às leis. Mas a família Bolsonaro pode tudo.
Jair Bolsonaro, que a partir de janeiro provavelmente será o mais alto representante do Brasil, enviou uma mensagem de vídeo a seus apoiadores no último domingo (21/10), na qual bradou: "A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria."
Eu posso entender por que muitos brasileiros estão com medo. E isso independe completamente do fato de eles serem ou não petistas.
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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