Os efeitos colaterais da energia verde na Caatinga
Parques eólicos e solares no Nordeste contribuem para a transição climática, mas provocam também transtornos para parte dos moradores locais e desmatamento.
Horizonte em transformação
Com ventos fartos e ampla incidência solar, o Nordeste é a região mais atrativa do país para a construção de parques eólicos e voltaicos, que beneficiam também a indústria e a geração de empregos. Para alguns habitantes locais, no entanto, o sonho da energia verde virou pesadelo, devido à permissividade de normas sobre o tema e à falta de assessoria jurídica adequada aos que arrendam suas terras.
Vizinho ruidoso no meio do silêncio
Em alguns casos, há aerogeradores instalados a cerca de 100 metros de moradores locais, que se veem obrigados a conviver com o barulho dos equipamentos e o efeito visual da sombra de suas pás girando. As normas brasileiras não definem uma distância mínima obrigatória, mas a própria associação dos produtores de energia eólica recomenda que ela seja de pelo menos 200 metros.
Barulho de jatos, longe do aeroporto
Maria do Socorro (c.) mora na zona rural da Serra de Santana. A DW a visitou na noite de uma sexta-feira e constatou o alto ruído de uma turbina de geração eólica instalada em um terreno vizinho a 107 metros de sua casa, que há sete anos gira e tira o sono de sua família.
"Quando começou a funcionar, até chorei"
Maria José Fernandes, de 87 anos, já não tem a mesma mobilidade de outrora e passa boa parte do dia ouvindo o girar das hélices de cerca de 75 metros. Segundo ela, nenhuma empresa os consultou sobre a instalação da turbina no terreno vizinho. Repentinamente, surgiu uma torre colada ao terreno onde ela mora desde 1971. "Quando começou a funcionar, até chorei", lamenta a aposentada.
Retirada de produtres rurais
Um produtor local de caju e outras frutas calcula que as árvores cortadas em sua propriedade lhe renderiam R$ 24 mil por ano. Ele diz que lhe foi oferecido R$ 30 mil como compensação por ceder a área a um parque eólico. E que hoje se arrepende pelo "legado complicado" que deixará aos filhos.
Desejo de mudança
Alguns moradores relatam que gostariam de se mudar para locais mais distantes dos aerogeradores, mas que ninguém deseja comprar as suas casas, justamente devido ao transtorno provocado pelos equipamentos.
Poeira vermelha
Iranete da Silva e sua filha desistiram da espaçosa casa onde moravam após o incício do trânsito constante de veículos pesados envolvidos na construção dos parques eólicos. Sempre que possível, elas se refugiam em um pequeno imóvel a alguns quilômetros da estrada de terra. "Essa poeira vermelha entra e gruda em tudo. É como se tivesse um óleo que nada tira", afirma.
Sai a vegetação, entram painéis fotovoltaicos
Além da poluição sonora, as energias renováveis também podem estar associadas a desmatamento, em especial no caso dos parques solares. Um estudo produzido pelo Observatório Nacional da Caatinga no ano passado mostrou que cada hectare de Caatinga preservada em áreas mais secas pode absorver quase 4,5 toneladas de CO2 por ano.
Santa Luzia, vice-campeã de desmatamento
Santa Luzia (PB), com menos de 15 mil habitantes, é a vice-campeã de desmatamento na Caatinga, tendo perdido uma área equivalente a quatro vezes a sua zona urbana para parques fotovoltaicos.