Os desafios de Fernando Haddad no segundo turno
14 de outubro de 2018Ainda na fase pré-eleitoral, caciques petistas indicaram considerar Jair Bolsonaro (PSL) o adversário dos sonhos em um segundo turno. Pesquisas mostravam que qualquer candidato seria capaz de derrotar o ex-capitão. Essa leitura foi alimentada pela falta de estrutura de campanha de Bolsonaro e seu discurso de extrema direita.
Somados, esses fatores acabariam por levar eleitores moderados e saudosos da era Lula a convergirem para o candidato do PT, fosse ele o próprio ex-presidente ou algum substituto. Os petistas ainda imaginavam contar com o apoio natural de outros presidenciáveis e partidos de centro temerosos de uma vitória de Bolsonaro.
Não foram os únicos. Candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) também chegaram a apontar que seria fácil derrotar o ex-capitão. Mas os petistas parecem ter ido mais longe, chegando a poupar Bolsonaro na maior parte da campanha que antecedeu o primeiro turno. O ex-ministro José Dirceu disse que o candidato do PSL era um problema do PSDB e do DEM.
No entanto, a campanha amadora e radical de Bolsonaro não só conseguiu levá-lo à segunda rodada, como por pouco não lhe garantiu uma vitória já no último domingo. O discurso autoritário do militar reformado também não afastou eleitores.
Em vez de ser o adversário ideal, Bolsonaro se aproveitou da bagagem de problemas e contradições que os petistas trouxeram consigo para campanha, adicionando ainda uma dose tóxica de distorções e mentiras grosseiras que foram espalhadas por sua teia de apoio em redes sociais.
Uma boa parte do eleitorado comprou o discurso e direcionou seu antipetismo ao ex-capitão. O PT de Lula e seu candidato Fernando Haddad é que parecem ter se tornado os adversários dos sonhos de Bolsonaro.
É nesse cenário que a campanha de Haddad agora tenta algo nunca registrado em um segundo turno presidencial no Brasil: uma virada. Não será fácil. A primeira pesquisa pós-primeiro turno mostrou o petista em desvantagem, 16 pontos percentuais atrás.
Para piorar, o apoio de outros candidatos importantes também parece distante. O ressentimento com o PT não parece ser apenas de parte do eleitorado, mas também de presidenciáveis que estão no mesmo espectro político dos petistas, como Ciro Gomes (PDT). Ele evitou endossar Haddad, que teve que se contentar com um "apoio crítico" do PDT.
Ainda na fase pré-eleitoral da campanha, petistas fizeram esforços para isolar a candidatura de Ciro e afastar potenciais aliados da sua órbita. Apoiadores do pedetista interpretaram as ações como parte de um plano para manter Lula como a figura hegemônica na esquerda. O apoio de Marina Silva (Rede), que em 2014 foi alvo de repetidos ataques por parte da campanha de Dilma Rousseff, também não veio.
Vários dos problemas que o PT enfrenta agora já se avizinhavam há meses, em especial os arranhões na imagem de sua principal liderança. Em fevereiro, uma pesquisa Datafolha mostrou que 53% dos brasileiros desejavam que Lula fosse preso. Em abril, 69% disseram acreditar que ele estava envolvido em esquemas de corrupção. Naquele mesmo mês, no entanto, os petistas parecem ter apenas considerado outro levantamento, que apontava que Lula tinha 31% das intenções para presidente. O partido redobrou então a aposta na candidatura.
Em setembro, quando a situação de Lula se tornou insustentável, foi escolhido um substituto, Haddad, uma figura carismática, mas com pouca autonomia dentro do partido. "Há muitas evidências para sugerir que Lula o escolheu como candidato precisamente porque ele é muito fraco para desafiar o controle hegemônico que Lula tem sobre o partido", afirmou o cientista político Oliver Stuenkel, da FGV-SP.
A estratégia de colar Lula a Haddad até rendeu resultados. A intenção de votos para o ex-prefeito de São Paulo decolou. Mas a associação com o condenado Lula também trouxe um ônus: a rejeição de Haddad aumentou em uma proporção maior do que o número de eleitores.
Outros problemas apareceram. Uma das principais armas de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais tem sido associar o PT com o autoritário regime chavista da Venezuela. Apesar da adição habitual de mentiras por parte dos bolsonaristas, o PT já demonstrou várias vezes simpatia ao governo de Nicolás Maduro. Em outubro do ano passado, por exemplo, parabenizou o venezuelano por uma vitória em eleições regionais.
Mudanças
Após o resultado de domingo, alguns petistas começaram um processo de análise dos problemas do partido, alguns deles explorados – e também exagerados – por Bolsonaro: os casos de corrupção, a dependência em relação a Lula e a falta de diálogo com outras forças de centro. Ao comentar os resultados de domingo passado em seu estado, o senador Jorge Viana (PT-AC) chegou a afirmar que houve "soberba" por parte dos petistas.
O governador Camilo Santana (PT-CE) também disse que o partido precisa fazer uma "autocrítica" sobre seus erros, buscar apoio de outras forças democráticas e criar uma identidade própria para Haddad que o coloque acima do PT e como um candidato capaz de unir o país.
Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, há muitos eleitores "com carradas de razão para não votar em Bolsonaro, mas que não enxergam um único motivo, além de deter o ex-militar, para eleger Haddad". "São eleitores ressentidos com fatos e práticas que envolveram o PT e com que o PT se envolveu nos últimos anos. Sem algum tipo de mea-culpa, o PT não se reconciliará com esse eleitor", disse.
O analista político Thiago de Aragão, da consultoria Arko Advice, também aponta que as dificuldades do PT em lidar com seus problemas agravaram o quadro. "Um mea-culpa do PT em 2016 em relação à Lava Jato e aos erros econômicos durante o governo Dilma teria tido um grande impacto, seguramente refletindo em uma votação maior para Haddad em 2018. Com exceção de alguns, não vejo os brasileiros se tornando subitamente fascistas. A insatisfação em relação ao PT é a razão número um", opinou.
A campanha de Haddad parece começar a dar sinais de ter se dado conta do peso do antipetismo. Nesta semana, o partido decidiu retirar a cor vermelha das sua propagandas – foi substituída em parte por tons como verde e amarelo. Também houve poucas referências ao ex-presidente no primeiro programa do PT na TV após o primeiro turno. Lula também desapareceu do material de campanha que mostra Haddad e sua vice, Manuela D'Ávila.
Neste sábado, Haddad também reconheceu que faltou controle para impedir casos de corrupção em estatais durante os governos Lula e Dilma. "Os diretores ficaram soltos para promover corrupção e enriquecer", afirmou o petista.
Pouco depois do primeiro turno, ainda reiterou que José Dirceu, que há algumas semanas concedeu uma entrevista em tom revanchista, não terá papel em seu governo. Ele também descartou a convocação de uma constituinte, um dos itens do seu plano original de governo, que havia recebido críticas da imprensa e de Ciro Gomes. O partido, por fim, abandonou sua estratégia de poupar Bolsonaro.
Segundo Melo, o partido errou ao não abordar Bolsonaro no primeiro turno. "Com medo do crescimento dos tucanos, deixaram o candidato do PSL livre de marcação." Mas agora a campanha petista parece estar correndo atrás. O próprio Haddad tem assumido a linha de frente dos ataques ao ex-capitão. Nesta semana, por exemplo, criticou a hesitação de Bolsonaro de comparecer aos debates.
Mas ainda há outros pontos não inteiramente abordados. Em agosto, Haddad afirmou que não é possível considerar que exista democracia na Venezuela e na Nicarágua governada pelos sandinistas. No entanto, ainda não foi um repúdio total.
Segundo o cientista político Cláudio Couto, da FGV-SP, "é crucial que a candidatura do campo democrático explicite sua condenação ao autoritarismo do país vizinho". "Já passou da hora de setores da esquerda que defendem a democracia por aqui também defenderem a democracia por lá, sem subterfúgios, sem sofismas e sem cegueira. Basta de fetiche", disse.
Haddad também se encontrou nesta semana com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, uma figura anteriormente demonizada pelos petistas por sua atuação no julgamento do mensalão. Embora o presidenciável do PT ainda não tenha conseguido arrancar apoio explícito à sua candidatura, essa iniciativa somada a outras parece ter demonstrado que o partido decidiu procurar outras forças de centro para se contrapor ao radicalismo de Bolsonaro, em vez de esperar que elas convirjam automaticamente.
Assim, os petistas correm contra o tempo para reconstruir pontes e ampliar apoios para diminuir a desvantagem de Haddad. Em 28 de outubro, será possível ver se essa nova estratégia deu resultados.
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