Os bebês da guerra nascidos em porões e bunkers na Ucrânia
10 de março de 2022Svetlana Lukash entrou em trabalho de parto justamente durante o toque de recolher em Kiev, no final de fevereiro. Como ela corria risco de complicações, foi levada para a maternidade, apesar do alerta de ataque aéreo. "Você não pode dar à luz em um sofá se estiver esperando complicações", diz Svetlana. "Quando chegamos ao hospital, as sirenes ecoavam, então fomos levados ao porão."
A invasão russa da Ucrânia, com seus ataques de mísseis e bombas contra as cidades, força muitas mulheres a darem à luz em porões de hospitais. O local naturalmente é inadequado para nascimentos, mas partos em uma sala obstétrica sob fogo podem ser fatais.
Hospitais destruídos
Desde o início da guerra, muitos hospitais na Ucrânia foram danificados ou destruídos. Por exemplo, um ataque em 2 de março transformou a maternidade da cidade de Zhytomyr em ruínas. Nos dias seguintes, hospitais em Mariupol e em Vasylivka também foram bombardeados e destruídos. Três moradores foram mortos.
"Mas nem o pessoal médico nem os pacientes ficaram feridos. Durante o bombardeio, até mesmo nasceu uma criança! A vida continua e o choro dos recém-nascidos ucranianos vão derrotar os ferozes ataques aéreos dos terroristas", disse recentemente o ministro da Saúde ucraniano, Viktor Lyashko.
"O mundo precisa saber que as mulheres ucranianas dão à luz sob bombardeios, e estamos fazendo campanha para que elas sejam retiradas", afirma Anna Hopko, ex-membro do parlamento ucraniano. Uma amiga dela também teve que dar à luz em um abrigo antiaéreo. Hopko pede que a Cruz Vermelha e outras organizações venham à Ucrânia. Mas, para que isso aconteça, o bombardeio das cidades ucranianas teria que cessar. "Precisamos de uma zona de interdição de voo sobre a Ucrânia", implora.
Tensa situação nas clínicas de Kiev
Maria Shostak, de Kiev, entrou em trabalho de parto no primeiro dia do ataque russo à Ucrânia, em 24 de fevereiro. Ela foi transferida junto com outras mulheres para o porão, que, segundo Maria, não estava equipado para mulheres grávidas.
"Mais tarde fomos convidadas a ir para outro porão, onde a eletricidade estava restabelecida. Mas estava frio lá. Disseram que as mulheres grávidas em trabalho de parto poderiam ficar lá. Afinal de contas, é muito cansativo ficar se deslocando nos porões. Assim, nós nos sentamos em cadeiras e passamos o tempo todo lá. Minhas costas doíam muito", diz ela. Em seguida, o local foi preparado para as futuras mães − com colchões, cobertas e travesseiros.
Mas Maria conseguiu dar à luz lá em cima, no prédio do hospital. "Se tivesse havido um alarme aéreo, provavelmente eu teria tido que dar à luz no porão. Embora os médicos tenham vindo várias vezes e dito que uma evacuação já estava em andamento e que eu também teria que ir para o porão, eu estava me sentindo mal e disse que ficaria sob minha própria responsabilidade", lembra. Seu filho nasceu de cesárea. Maria ainda teve sorte, pois outras mulheres tiveram os filhos com cesariana num bunker.
Situação em cidade ocupada pelos russos
Em Kherson, que é controlada pelos ocupantes russos, a situação não é melhor. Mesmo durante os bombardeios, nasceram crianças nos porões, diz Yuri Herman, obstetra e ginecologista do hospital local.
"São salas frias, só servem para se proteger durante os ataques aéreos. Agora lá estão gestantes, mães com seus recém-nascidos, incluindo bebês prematuros. Sob tais condições, não podem haver cuidados obstétricos seguros. Se você precisa operar, tem que deixar o porão e, em pleno século 21, arriscar a morte de mulheres durante o parto", diz ele.
O porão do hospital não estava preparado para esta situação, diz. Ninguém em Kherson, conta Herman, pensava que haveria guerra. O ginecologista também adverte que as mulheres estão temporariamente impossibilitadas de vir ao hospital para dar à luz. Como os russos bloquearam o caminho das ambulâncias, as mulheres foram forçadas a dar à luz em casa e receber instruções por telefone − incluindo como cortar o cordão umbilical. Agora as ambulâncias já voltaram a ser permitidas na cidade.
Mas, segundo Herman, ainda há problemas para as mulheres grávidas da periferia. Elas não podem vir para o hospital regional em Kherson porque a cidade está isolada. "No campo, não existem centros obstétricos tão bons. Muitas mulheres que queriam vir até nós para o nascimento de seus filhos agora não podem fazê-lo, mas todas as gestantes com previsão de um parto difícil chegaram até nós", enfatiza o médico.
Duas vezes trigêmeos
A situação é ainda mais complicada em Chernihiv, onde os ataques com mísseis russos continuam. Em 2 de março, um projétil atingiu o hospital distrital e danificou gravemente o prédio. Mas a maternidade continua intacta. Gestantes e pessoal médico, no entanto, têm que se refugiar constantemente dos ataques no porão.
"Temos um grande abrigo antiaéreo, que eu ainda consegui reparar a tempo. A ventilação funciona e ali há um gerador de eletricidade separado, também banheiros e até mesmo um bloco cirúrgico. Também são fornecidos suprimentos alimentares e medicamentos. Eu já esperava um ataque russo", diz o médico chefe Vasyl Husak.
Segundo ele, já houve mais de 40 nascimentos em sua clínica desde que a guerra começou, incluindo trigêmeos duas vezes, o que é muito raro. "A última vez que tivemos trigêmeos foi há três anos. E agora foram duas vezes. Todas as crianças estão com saúde. Uma família teve três meninas e a outra, duas meninas e um menino", conta. Ele está certo de que este é um bom sinal e espera que a guerra termine logo. "Nasceram cinco meninas e um menino. Dizem que as meninas nascem para a paz no mundo."