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Os 80 anos do maior fuzilamento em massa nazista

6 de outubro de 2021

Concerto na Ucrânia homenageia os mais de 33 mil judeus vítimas do massacre de Babi Yar, símbolo do Holocausto na Europa Oriental. "Sem uma lembrança digna não há um bom futuro", diz presidente alemão.

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Ensaio de orquestra para apresentação na cerimônia em memória das vítimas do massacre de Babi Yar
Ensaio de orquestra para apresentação na cerimônia em memória das vítimas do massacre de Babi YarFoto: Gero Schließ/DW

Nesta quarta-feira (06/10) os presidentes de Israel, Ucrânia e Alemanha se reuniram em Kiev para lembrar as vítimas de Babi Yar. Apesar das diferentes grafias em ucraniano, inglês, alemão e russo, Babi Yar é um símbolo do Holocausto na Europa Oriental.

"Sem uma lembrança digna não há um bom futuro", afirmou o chefe de Estado alemão, Frank-Walter Steinmeier, durante a cerimônia. Ele lamentou em seu discurso que as áreas dos crimes nazistas no território da antiga União Soviética não tenham "um local condizente nas nossas lembranças", sublinhando que a Ucrânia, ao contrário de outros lugares tradicionalmente ligados ao Holocausto, continua "muito pálida no nosso mapa da memória". 

Há 80 anos, em 29 e 30 de setembro de 1941, durante a investida das forças de Adolf Hitler sobre a então União Soviética, tropas da Alemanha nazista mataram a tiros dezenas de milhares de pessoas na ravina de Babi Yar, nos arredores da cidade ocupada de Kiev. De acordo com o relatório das unidades nazistas, 33.771 pessoas, espalhadas por 36 seções da paisagem do desfiladeiro, foram assassinadas diante dos olhos e ouvidos dos moradores locais. As vítimas ficaram empilhadas umas em cima das outras.

Assim, quase toda a população judaica da capital ucraniana foi exterminada de uma só vez. A maioria eram idosos, mulheres e crianças; os homens estavam lutando na frente de batalha. Os fuzilamentos na ravina, onde as vítimas eram enterradas sob uma fina camada de terra, continuaram pelos próximos dois anos. Também foram executados membros das etnias sinti e roma, doentes mentais e prisioneiros de guerra. Mais de 100 mil pessoas, incluindo cerca de 70 mil de origem judaica, foram assassinadas em Babi Yar até a retirada das tropas alemãs, em 1943.

Idosos, mulheres e crianças eram executados e empilhados pelos nazistas em Babi Yar
Idosos, mulheres e crianças eram executados e empilhados pelos nazistas em Babi YarFoto: picture-alliance/CPA Media Co. Ltd

O poema

Vinte anos depois, em setembro de 1961, um jovem poeta russo estava na encosta de Babi Yar: Yevgeny Yevtushenko fora levado ao lugar por um amigo – o escritor Anatolij Kuznetsow, que, quando era um garoto de 14 anos em Kiev, foi uma testemunha ocular da tragédia de Babi Yar e que mais tarde descreveu os eventos em um romance histórico.

Não só o incompreensível crime em si abalou o poeta, mas também a maneira como foi tratado o lugar da tragédia. Nas duas décadas após a guerra, a ravina serviu como depósito de lixo. Posteriormente, foi criado um parque recreativo no lugar, cujos trabalhos de construção desenterraram os restos mortais das vítimas. Testemunhas relataram que crianças teriam jogado bola com crânios. Os administradores de Kiev então não tiveram ideia melhor que cobrir de concreto o local.

Poeta Yevgeny Yevtushenko
Poeta Yevgeny Yevtushenko criticou o antissemitismo na sociedade soviéticaFoto: Gerhard Rauchwetter/picture alliance

"Em Babi Yar não há monumento", escreveu Yevtushenko. "Acho que sou um judeu agora. Cada velho assassinado aqui – eu". Yevtushenko era considerado a nova voz da cultura soviética que criticava abertamente a sociedade. Em setembro de 1961, o poema foi publicado no jornal Literaturnaja Gazeta e causou acalorada discussão.

Mistério do massacre de Babi Yar é desvendado 80 anos depois

Pois o poema era também uma crítica ao antissemitismo na União Soviética, que nas décadas do pós-guerra se enraizava cada vez mais na sociedade. Uma verdadeira campanha de difamação foi desencadeada contra Yevtushenko. O poeta foi acusado de colocar o sofrimento dos judeus durante a guerra acima do dos russos e ucranianos "nativos". O editor-chefe da Literaturnaja Gazeta perdeu o cargo. Numerosos "contrapoemas" de poetas estatais moderadamente talentosos atacaram o poeta "antipatriótico".

A sinfonia

Mas também houve outras vozes corajosas que ficaram do lado de Yevtushenko. E a mais forte dessas vozes foi a do compositor Dmitrij Shostakovich, que compôs, baseado no poema, sua Sinfonia n° 13 em si bemol menor Babij Jar. Além do poema Babij Yar, ele colocou música em quatro outros textos de Yevtushenko. A estreia em 18 de dezembro de 1962 foi repetidamente criticada de antemão pelo Partido Comunista e pelo Ministério da Cultura. Mas o maestro Kirill Kondraschin e os músicos não se intimidaram.

"Shostakovich era um ardente antiantissemita", diz o maestro Thomas Sanderling em entrevista à DW. Como filho do grande maestro Kurt Sanderling, que também era amigo íntimo de Shostakovich, Thomas Sanderling conhecia o compositor pessoalmente.

"Tive a sorte de ter conhecido muitos artistas importantes em minha longa vida entre a cultura alemã e a russa", diz Sanderling. "Mas conheci apenas um verdadeiro gênio: Shostakovich." O compositor confiou ao jovem maestro Sanderling a estreia alemã de sua 13ª Sinfonia. Com a bênção de Shostakovich, Sanderling traduziu o texto da sinfonia para o alemão.

Homem se encosta numa coluna do memorial de Babi Yar
Em 2021, foi inaugurado um memorial no local do massacre após décadas de discussõesFoto: Gero Schließ/DW

O concerto

Agora já existe um memorial em Babi Yar – em 2021, após décadas de discussões polêmicas, um memorial do Holocausto foi inaugurado no local do massacre. E foi lá que, num concerto ao ar livre, a 13ª Sinfonia de Shostakovich foi executada nesta quarta-feira pela Deutsche Sinfonieorchester, sob o comando de Thomas Sanderling, no âmbito do evento para lembrar as vítimas do massacre.

"Shostakovich é um clássico que permanecerá. Como Beethoven. A mensagem de sua 13ª Sinfonia é e continuará sendo um alerta para todos nós. Executar a obra neste lugar neste dia de memória é um dos momentos mais emocionantes da minha vida", diz Thomas Sanderling.