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Sociedade perfeita

3 de dezembro de 2011

A viagem do grupo de câmara Polyphonia Ensemble ao Brasil inclui oficinas com alunos do programa Neojibá de orquestras juvenis. Inspirado no venezuelano El Sistema, Ricardo Castro aposta no poder transformador da beleza.

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Polyphonia Ensemble – Workshop Henry Pieper, Bratsche Brasilien, Dez. 2011 DW/Valente
Polyphonia Ensemble BrasilienFoto: DW

Polyphonia: polifonia, “variedade de sons” em grego. O nome do grupo berlinense ganha novo sentido durante sua estada em Salvador da Bahia. Das diversas salas de aula e ensaio e dos corredores do Teatro Castro Alves saltam trechos de obras clássicas, sobrepostos e combinados num alegre caos de oboés, clarinetes, violinos, violoncelos e outros instrumentos orquestrais.

Teatro Castro Alves Fassade
Vista aérea do Teatro Castro AlvesFoto: Adenor Gondim

Essa mata tropical de músicas faz parte do dia a dia nos Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis da Bahia (Neojibá), que mantêm suas dependências na grande e moderna casa de espetáculos da capital baiana. Criado em 2007 pelo pianista e regente Ricardo Castro, o programa se apoia na experiência de El Sistema, de José Abreu, que há quase quatro décadas forma músicos e capacitadores na Venezuela.
Da mesma forma que seu antecessor venezuelano, o Neojibá aposta no poder transformador da música, sobretudo quando praticada em grupo, no contexto de uma orquestra ou coro. Castro explica que o projeto “transforma as vidas das crianças ao instilar conceitos de responsabilidade, trabalho em equipe, respeito e discipiina, aliados a beleza e alegria”.

Frutos de "El Sistema"

Ao contrário da atitude individualista que caracteriza a educação musical tradicional, a formação dos iniciantes fica basicamente a cargo de monitores – ou seja, jovens instrumentistas, mais adiantados. A comunicação de know-how musical transcorre, assim, não de forma vertical – do onissapiente professor para o aluno dependente – mas sim em diagonal, entre colegas, numa relação em que solidariedade e respeito mútuo são indispensáveis. E cada novo músico adquire o potencial de criar uma nova orquestra, numa “multiplicação ad infinitum”, explica Castro.

Naturalmente é também importante que, de tempos em tempos, músicos experientes supervisionem esse processo, identificando eventuais vícios e ajudando a evitar atalhos equivocados, com base numa longa experiência profissional. É neste papel que seis músicos do Polyphonia Ensemble visitam o Neojibá durante cinco dias, com o apoio da emissora Deutsche Welle e do Ministério alemão das Relações Exteriores.

Em classes individuais e coletivas, Martin Kögel (oboé), Richard Obermeyer (clarinete), Jörg Petersen (fagote), Johannes Watzel (violino), Henry Pieper (viola) e Thomas Rösseler (violoncelo) escutam os jovens estudantes e os ajudam a vencer suas atuais dificuldades técnicas e interpretativas. O repertório estudado vai de peças solo e de câmara a partes orquestrais.

No momento, os integrantes da Orquestra Juvenil da Bahia (OJB) se dedicam com intensidade especial ao concerto que dividem com o Polyphonia Ensemble Berlin neste sábado (03/12) no Teatro Castro Alves. A expectativa é de casa lotada, pois um dos efeitos da recente valorização do projeto, também no exterior, é o surgimento de um “público totalmente renovado” em Salvador, anuncia o mentor Ricardo Castro. “Famílias que nunca haviam escutado uma orquestra ou ido ao teatro agora são fãs. A nossa Orquestra Juvenil é uma popstar na cidade”, diz ele.

Polyphonia Ensemble Brasilien
Maestro venezuelano Manuel López Gómez regeu primeiro concerto da OJBFoto: DW

O programa da noite é "médio-pesado", incluindo movimentos da Sinfonia Inacabada de Franz Schubert, da Sinfonia nº 4 de Piotr Tchaikovsky, e do balé Romeu e Julieta de Serguei Prokofiev. À frente da orquestra encontra-se, justamente, um “filho” de El Sistema: o shooting star Manuel López Gómez. A carreira do venezuelano de 28 anos está indissoluvelmente ligada à instituição sediada em Salvador, já que foi Gómez a reger o primeiro concerto da OJB, em 2007.

Criando beleza

Assistir aos encontros entre os instrumentistas vindos de Berlim e os alunos do Neojibá é, por vezes, como presenciar um pequeno milagre. Numa das salas, o fagotista Jörg Petersen toca um duo com uma jovem estudante, e vai lhe sugerindo pequenas alterações em sua forma de interpretar.

“Essas notas mais curtas. Espere mais um pouco para começar essa passagem. Agora faça esse crescendo com coragem, aqui você é a solista!”. O professor demonstra, um colega da jovem traduz os comentários do inglês. E em poucos minutos as notas no papel vão se transformando de exercício digital em música de verdade. Os sorrisos orgulhosos do alemão e da fagotista baiana selam a conquista.

Polyphonia Ensemble Brasilien
Aula de fagote com Jörg PetersenFoto: DW

Independentemente dos diferentes níveis de técnica e talento – e este não falta! –, uma característica une todos os participantes do Neojibá, sem exceção: o entusiasmo. Nesse ponto, os seis músicos do Polyphonia Ensemble são unânimes. Mesmo eles, que já viajaram pelos Bálcãs, pelo Magrebe e pelo Oriente Médio em projetos semelhantes, raramente presenciaram, assim em massa, tamanha vontade de aprender, curiosidade e receptividade para os estímulos novos. Esse entusiasmo é contagiante e inspira os instrumentistas alemães através da jornada diária de até 11 horas de aulas e ensaios, com todo o calor de Salvador da Bahia e ocasionais panes de logística.

Polyphonia Ensemble Brasilien
Orquestra Juvenil da Bahia ensaia 'Sinfonia Inacabada' de SchubertFoto: DW

É gigantesco o aparato – administrativo, pedagógico, organizacional – necessário a criar esse ambiente tão estimulante e criativo. Mas o retorno – em termos sociais, humanos, espirituais – justifica plenamente todos os esforços. Para Castro, que também atua como maestro, “a própria dinâmica da orquestra faz com que todos sintam que cada um é importante, e que a meta é criar beleza”. Aqui se vivencia um modelo ideal de sociedade: “Se a sociedade em que vivemos fosse como uma orquestra, tudo estaria resolvido”, afirma o criador do Neojibá.

Autor: Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela