Falta expertise
24 de abril de 2011Em duas localidades a cerca de 60 quilômetros da usina termonuclear de Fukushima, no Japão, a organização ambiental Greenpeace mediu valores de até 48 microsievert/hora. Isso significa que a dose total de radioatividade a que os moradores estão expostos em um dia equivale ao máximo permissível em um ano na Alemanha.
"No entanto, as pessoas não são evacuadas das áreas de alta contaminação", acusa a radiobióloga japonesa Katsumi Furitsu. Esse cuidado só foi tomado num raio de 20 quilômetros. Os que vivem entre 20 e 30 quilômetros da central avariada receberam apenas um conselho: permanecer o máximo possível dentro de casa.
Furitsu pesquisou sobre a saúde dos sobreviventes de Hiroshima e acompanhou as vítimas de Tchernobil. Assim como especialistas norte-americanos, ela aconselharia a evacuação num raio de 80 quilômetros da catástrofe. Porém no Japão quem decide sobre o assunto não são os radiobiólogos, mas sim os prefeitos.
Interesses lobistas
Os peritos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tampouco têm outras recomendações a fazer. Após Tchernobil, os críticos falavam de uma "catástrofe de informação". Segundo o radiobiólogo de Berlim Sebastian Pflugbeil, o mesmo se repete agora devido aos interesses específicos da AIEA.
Em seus estatutos, a agência vê como missão "a difusão do emprego pacífico da energia nuclear", lembra Pflugbeil. Assim, tudo o que se contraponha a esse fim é reprimido por todos os meios possíveis.
Ainda no início de 2011, a comissão científica das Nações Unidas assegurava que "para a grande maioria da população não já razão de temer consequências do acidente de Tchernobil sobre a saúde". Uma afirmativa que contradiz grosseiramente estudos realizados e as numerosas experiências dos médicos que trataram os atingidos, aponta o radiobiólogo alemão.
A seu ver, trata-se de "puro desprezo à vida humana, e serve aos interesses da indústria atômica, tanto do lobby das operadoras de usinas quanto, subentendidos, naturalmente também os interesses dos Estados que produzem armas nucleares".
Acidentes não contam
Em estudo recentemente publicado, o cientista Hagen Scherb, do Instituto Helmholtz, em Munique, também chama a atenção para quase 1 milhão de gravidezes interrompidas em toda a Europa e para a diminuição do número de bebês do sexo feminino. Ele atribui os fatos à nuvem radioativa de Tchernobil, que se dissipou sobre o continente 25 anos atrás.
Surpreendentemente, tais dados não preocupam a Organização Mundial da Saúde (OMS). "Eles não veem o problema", e, acima de tudo, "não veem que seja problema deles", acusa Keith Baverstock, que logo em seguida à catástrofe nuclear na Ucrânia trabalhou durante 13 anos para a OMS.
Do ponto de vista da organização sediada em Genebra, a energia nuclear não representa, em geral, um risco à saúde. Ela é classificada da mesma forma que as usinas a carvão ou a petróleo, que também podem ter efeitos sobre a saúde e a mortalidade. É claro que um desastre é diferente, ressalva Baverstock. Entretanto, por princípio, acidentes não são levados em conta pela OMS. É por este motivo que a organização há muito tempo deixou de ter peritos para o assunto.
"Risco residual"
De acordo com a organização Médicos Internacionais pela Prevenção da Guerra Atômica, a OMS jamais realizou pesquisas sistemáticas sobre as consequências da catástrofe de Tchernobil.
Aliás, segundo acordo assinado na década de 1950, ela não pode realizar nem divulgar tais estudos sem o aval da AIEA. Na Alemanha, estuda-se a possibilidade de a OMS requerer a rescisão desse contrato durante sua próxima conferência, marcada para maio.
Ao que tudo indica, não há qualquer interesse por parte da comunidade internacional de identificar com precisão o assim chamado "risco residual" da energia atômica. Isso, apesar do dever de garantir o direito humano à saúde, fixado no direito internacional. E, no tocante a essa política, a Europa não constitui uma exceção, acusa o ex-funcionário da OMS Baverstock.
Expertise zero
Logo após Tchernobil, e por pressão dos países europeus, a Organização Mundial da Saúde criou em Helsinque um Projeto para Emergências Nucleares e Saúde Pública, que Keith Baverstock dirigiu de 1998 até seu fechamento, em 2002.
"O fechamento, na época, foi uma decisão do diretor geral, e a repartição não foi transferida para outro local", registra o perito em radiobiologia. "Então quando veio a catástrofe de Fukushima, [a OMS] pura e simplesmente não dispunha de nenhum especialista para lidar com a situação."
Essa competência teria que voltar a ser estabelecida o mais rápido possível, em nível profissional. De preferência na Europa, pois é mais do que urgente que se inicie o estudo profissional e sistemático dos efeitos da catástrofe de Tchernobil sobre a saúde, pelo menos no continente europeu, reivindica Baverstock.
Autoria: Ulrike Mast-Kirschning (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer