Oposição representa Síria e atrai holofotes para cúpula da Liga Árabe
26 de março de 2013Longos discursos, fotos em grupo com déspotas odiados e um relatório final que não importava a quase ninguém. Assim, com quase total desinteresse, a opinião pública no Oriente Médio acompanhou a participação de seus líderes durante anos nas cúpulas da Liga Árabe. Na reunião desta semana no Qatar, no entanto, o cenário é diferente.
Dois tópicos dominam a pauta até esta quarta-feira, quando se encerra a cúpula de chefes de Estado e governo. O primeiro é que, pela primeira vez na História da Liga Árabe, a cadeira reservada a um Estado foi ocupada por um movimento insurgente, no caso a oposição síria. O segundo será o próprio conflito sírio e as deliberações sobre uma eventual intervenção militar contra o regime de Bashar al-Assad, ainda que uma ação seja tida como improvável.
"Desde sua fundação, a Liga Árabe é considerada uma organização dos regimes", afirma Moataz Salama, do Centro al-Ahram de estudos políticos e estratégicos, sediado no Cairo. "Ela não é uma liga dos povos árabes."
Desta vez, até mesmo políticos não árabes esperam que a Liga assuma um papel mais ativo no conflito sírio. Recentemente, o presidente israelense, Shimon Perez, instou a organização a pôr fim ao massacre no país. A guerra civil, que já dura dois anos, custou a vida de mais de 60 mil pessoas, segundo cálculos da ONU, e põe em risco a já frágil instabilidade regional.
Qatar e Arábia Saudita: potências regionais
Contudo, também nessa questão, falta à Liga Árabe uma visão, aponta Salama. Os interesses dos Estados-membros são diversos e, no tocante á Síria, deve-se contar que os países dominantes tentarão impor os seus próprios interesses.
No momento, esses países são Arábia Saudita e Qatar. A predominância de ambos se reafirmou após as revoluções populares de 2011 e o obscurecimento temporário do Egito e da Síria enquanto potências regionais – assim como do Iraque, já há anos debilitado.
Sauditas e catarianos mantêm boas relações com o Ocidente, em especial com os Estados Unidos. No entanto, ambos mantêm regimes autoritários e têm sido cada vez mais alvos de crítica internacional devido à falta de liberdade de expressão ou a violações dos direitos humanos.
Segundo Asiem el-Difraoui, especialista em Oriente Médio do Instituto de Política de Mídia e Comunicação (IfM) de Berlim, com a ajuda da Liga Árabe, os sauditas tentam formar um contrapeso regional ao Irã.
"A Arábia Saudita se sente diretamente ameaçada pelo regime iraniano. Os líderes sauditas estão, por exemplo, bastante preocupados com o fato de o Iraque ser atualmente governado por xiitas e estar, pelo menos em parte, associado ao Irã. Eles esperam também enfraquecer o Irã, ao afastarem do poder o regime de Assad."
Além disso, através de uma política externa ativa, o pequeno Qatar, sede da influente emissora al-Jazeera, procura defender a existência do próprio sistema de dominação, comenta Difraoui. Com seus 300 mil habitantes e grandes riquezas, afirma, o país "sempre temeu, alguma hora, ser engolido pela Arábia Saudita".
Por isso, toda a política do Qatar é voltada para projetar poder regional, "a fim de, desse modo, se proteger contra vizinhos como o Irã e a Arábia Saudita e garantir que a família Thani permaneça no poder".
O Qatar e a Arábia Saudita são considerados concorrentes dentro da Liga Árabe, mas estão unidos na meta de debilitar o Irã. Por isso, especialistas partem do princípio que há muito tempo ambos fornecem armas aos grupos de rebeldes na Síria.
Caminho sem volta
Coibir a influência iraniana é, aparentemente, um tema recorrente no contexto da questão síria. Pois, se o regime Assad cair, isso abalará sensivelmente a influência de Teerã na região. Em contrapartida, caso o regime se mantenha, ou até mesmo vença os oposicionistas, o resultado poderá ser uma coligação ainda mais forte entre a Síria e o Irã.
"Isso também significaria um retorno agressivo do regime sírio nos Estados do Golfo, pois Assad certamente tentaria exportar problemas para esses países", deduz Salama.
O ditador sírio já declarou repetidas vezes que, em algum momento, as nações do Golfo Pérsico voltarão a ser punidas pelo apoio à oposição. De fato: há muito sauditas e catarianos estão diretamente envolvidos no conflito sírio. "Eles chegaram até a metade do caminho. Para eles não há mais retorno", afirma Salama.
Os países protagonistas da Primavera Árabe observam esse desenrolar de forma ambivalente. Eles estão muito envolvidos com os próprios problemas e têm cada vez influência menor dentro da Liga Árabe.
Em Tunísia, Líbia e Egito, é grande a simpatia da população pelas metas da revolução síria. No entanto, ao mesmo tempo, cresce a crítica contra a ingerência da Arábia Saudita e do Qatar em assuntos internos. Ambos são acusados de dar apoio financeiro a partidos fundamentalistas islâmicos, também nos países da Primavera Árabe.
A revolução dos outros
A Arábia Saudita teme igualmente as insurgências populares nos países vizinhos. Seu apoio às primeiras revoluções na região só veio tarde. O país continua concedendo asilo ao ex-ditador tunisiano Ben Ali. Nos protestos no Barein, o regime saudita não hesitou por um só momento em enviar seus tanques para combater rebeldes.
"É grande o medo de que, em algum momento, as revoltas cheguem até a próprias fronteiras nacionais", diz Moataz Salama. Por isso, com seu apoio aos rebeldes sírios, o Qatar e a Arábia Saudita procuram desviar atenção dos próprios déficits internos.
Na opinião de Salama, os governos querem "mostrar aos próprios cidadãos como estes estão bem em comparação com outros povos árabes e que seus regimes são as únicas garantias de estabilidade e bem-estar".
No entanto, trata-se de um jogo perigoso para os dois países, também em relação a seus próprios interesses, ressalta Difraoui. "Vimos isso no Iraque: jihadistas sauditas estavam muito ativos lá. Após retornarem, no entanto, passaram a participar, eles próprios, de campanhas terroristas na Arábia Saudita."