As impressões são multifacetadas, contraditórias e também perturbadoras. Considero preocupante a rapidez com que se é xingado como "propiciador dos terroristas de esquerda", só por tentar captar essas contradições. E acho também chocante como agora tantos políticos, jornalistas e outros comentaristas simplesmente se permitem vir com seus grandes discursos, com pouco conhecimento dos acontecimentos in loco.
A violência desenfreada de uma multidão armada, de esquerdistas militantes, de adolescentes cheios de testosterona, de um enxame de turistas do tumulto sedentos de aventura foi um ataque contra a vida de outras pessoas. Ela foi, em parte, obviamente organizada, mas em parte também espontânea.
A gana nos olhos dos perpetradores e a fome de excessos em seu olhar são assustadores, por atravessar quem está do outro lado, por não registrar mais os seres humanos, só procurando a sua oportunidade. Do ponto de vista político, esses agressores destroem um dos pilares mais importantes do progresso social: o diálogo.
A procura dos motivos para tal ódio é secundária. Decisivo é colocá-lo dentro dos limites, para que o diálogo permaneça possível. Mas é também decisivo não se simplificar esse excesso de violência. Pois, justamente, não foram só os autonomistas políticos que se desbragaram aqui, mais também os filhinhos dos bairros milionários de Hamburgo, sedentos de sensações. A política não lhes interessa. Eles só se interessam pela medição de forças com o poder estatal, e vivem numa bolha de bem-estar, cheios de desprezo pelos bens dos outros. Pois, para eles, bens são substituíveis a qualquer hora.
Mas também a estratégia de escalada da polícia foi um ataque contra o mesmo pilar da sociedade, o diálogo, pois tentou impedir que os cidadãos travassem um diálogo com os participantes da cúpula. Isso é preocupante.
Eu vi policiais caçando manifestantes. Mas também vi outros gritando a seu comandante para se acalmar, em vez de ficar correndo atrás de cada grupinho de ativistas. Vi policiais chutando as pernas de manifestantes sem qualquer razão. E quando canhões d'água são empregados para expulsar um único fotógrafo de uma rua totalmente deserta, isso mostra que a lei da proporcionalidade descarrilou.
Considero essa estratégia também perigosa porque cria e consolida a imagem da polícia como inimiga. Isso só aumenta as tensões sociais.
Fui atacado em comentários no Facebook por minha crítica à polícia: afinal é sua tarefa impor a lei, também exercendo o monopólio do uso da força, disseram. Mas precisamente por ela ter esse monopólio é preciso que o aplique com discriminação. Pior ainda: em Hamburgo a polícia e a política se colocaram acima da lei, ao mandar retirar acampamentos que haviam sido juridicamente autorizados.
Sobre um terceiro aspecto do diálogo comprometido ninguém falou até agora: o fato de essa cúpula só poder se realizar sob a proteção de 20 mil agentes de segurança. Para além de todas as análises de risco, acho assustador muros como esses serem erguidos numa sociedade que se pretende aberta.
Após três dias de entrevistas no contexto dos protestos, foi grotesco para mim penetrar no mundo estéril dos participantes da cúpula: bufês grátis e bebidas de luxo, jornais de brinde e as conversas abafadas entre jornalistas e diplomatas.
A maioria não me pareceu ter empatia com o cheiro de pobreza e a agitação das pessoas do lado de fora da fortaleza do centro de convenções. A proximidade do poder, e a fascinação de poder ver Donald Trump "de verdade" eram maiores do que o calor contraditório do lado de fora, nas ruas.
Não compartilho de diversas opiniões e premissas dos críticos da cúpula do G20. Mas sua luta apaixonada contra a exploração e a fome no mundo merece reconhecimento. Quem zomba deles como "gente boazinha" – e agora, devido aos distúrbios, até mesmo os rotula de "fascistas de esquerda", colocando-os assim na mesma panela com os espancadores da direita que caçam refugiados ou moradores de rua –, deveria se envergonhar.
Apesar de todos os poréns, considero correta a afirmativa de que conferências de cúpula desse tipo devem ser possíveis numa cidade como Hamburgo. Pois cúpula significa diálogo, e a alternativa para o diálogo são os muros cada vez mais altos.
Muitos dos meus amigos de Hamburgo testemunharam os incidentes dos últimos dias. Eles estão abalados, querem falar com todos os demais amigos, a fim de intercambiar percepções. Todos estão chocados com a violência – literalmente – diante da porta de casa.
No entanto eles também estão indignados com as semanas de constantes chicanas da polícia. Eles intuem quão complexos esses acontecimentos são. As conversas são benignamente diferenciadas e livres de preconceitos. E desse modo, depois dessa cúpula do G20, fica para mim a conclusão: nós precisamos conversar.