São imagens impossíveis de esquecer: famílias desesperadas em sufocantes contêineres de navio; cadáveres que vão parar em margens de rios e praias após travessias fracassadas; seres humanos marcados e aquebrantados pelo abuso e exploração.
Estamos chocados por causa dessas narrativas contínuas de violência e agressão e que exista gente disposta a se aproveitar do desespero alheio. O fato de crianças terem que sofrer, ou mesmo morrer, porque suas famílias tentam lhes possibilitar um futuro melhor, é um peso enorme sobre a nossa consciência.
O 30 de julho, Dia Internacional contra o Tráfico Humano, é uma advertência de que mais um ano se passou. Ele nos recorda que estamos longe de ter feito o suficiente. É hora de acabar com o tráfico de homens, mulheres e crianças pelo mundo.
Nós lutamos pelos direitos de migrantes que desempenham tarefas pouco apreciadas em países abastados, preenchendo postos que de outra forma permaneceriam vagos. Por isso, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) colabora incansavelmente com parceiros dos governos, sociedades civis e economia privada, combatendo práticas nocivas visando a aquisição de mão de obra do exterior.
Porém, isso não basta. Precisamos também penalizar os traficantes de seres humanos. E precisamos cobrar dos estados-membros da OIM quando eles não forem capazes de proteger as vítimas do tráfico humano.
Cada vez mais se vê a migração como uma forma para escapar de conflitos, instabilidade, insegurança alimentar, catástrofes naturais e a mudança climática. No entanto, grandes movimentos migratórios podem muitas vezes liberar e fortalecer energias criminosas que resultem em ainda mais exploração dos migrantes.
Só que essa constatação ainda não resultou na prisão dos perpetradores da migração perigosa, nem contribuiu para que se proporcionem aos migrantes proteção e apoio suficientes.
Infelizmente, hoje em dia diversos governos perseguem primeiro as organizações que ajudam aos migrantes em perigo de vida, em vez de responsabilizar os verdadeiros contrabandistas e traficantes de pessoas. Não é só injusto punir quem socorre os náufragos – sobretudo por motivos burocráticos, como a falta de uma permissão de aportar regular, ou o emprego de navios sem jurisdição em alto-mar –, mas também ineficaz, desperdiçando recursos, tanto das organizações humanitárias quanto das autoridades penais.
A superação desses desafios exige investimentos consideráveis e cooperação internacional. Mas não podemos ignorar os desafios e ao mesmo tempo esperar que as vias de migração perigosas e o tráfico humano relacionado a elas vão desaparecer por conta própria.
Enquanto cidadãs e cidadãos, tanto no campo público como privado, podemos nos manifestar contra um clima hostil à migração que mina a compaixão pública e possibilita aos traficantes humanos atuarem sem oposição nem punição.
Enquanto consumidores, podemos exigir bens e serviços produzidos sem envolver escravidão nem exploração. Quando tomadores de decisões divulgam e toleram narrativas que desumanizam os migrantes, podemos exigir que eles prestem contas. Mas não podemos permanecer inativos, e mesmo assim esperar uma mudança.
Sei que muitos não migram apenas por desespero, mas também por desejar um futuro melhor. Estou de acordo que os governos tenham um interesse justificado na proteção de suas fronteiras e no direcionamento dos movimentos migratórios. Estou ciente que os governos muitas vezes procuram um equilíbrio entre os interesses de seus cidadãos e as necessidades humanitárias dos migrantes. No entanto, é no interesse de todos preservar a dignidade do ser humano. É o que exige a nossa humanidade.
António Vitorino é diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
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