Opinião: Um bom dia para o futebol
Até muito pouco tempo, Joseph Blatter buscava a indiferença, o silêncio, o deboche. "Crise? O que é uma crise?", indagou ele, certa vez, de forma mais ignorante do que retórica, por ocasião de uma das inúmeras crises de confiança que a Fifa vivenciou nos últimos anos. O eterno Blatter parecia estar acima de qualquer crítica, por mais fundamentada que fosse. Em outras palavras: as críticas simplesmente não lhe interessavam. Até agora.
Ele vai partir. Dá quase para ouvir o suspiro de alívio que atravessa o mundo do futebol. O homem que marcou a Fifa durante 40 anos, em todos os sentidos, pretende renunciar. Foi um bom dia para o futebol. Por três motivos:
Primeiro, porque Blatter é responsável pela cultura suja de corrupção quase sistemática na Federação Internacional de Futebol. Embora até agora não se tenha podido provar nenhuma acusação de corrupção contra ele, a sua conivência é clara: o Ministério Público da cidade de Zug considerou provado que Blatter sabia do pagamento de propinas no valor de 142 milhões de francos suíços. Blatter não fez nada para impedir a corrupção na própria casa – no máximo algum ato simbólico e de faz de conta. Então mais de uma dúzia de membros do alto escalão da Fifa, muitos deles próximos de Blatter, foram detidos por suspeita de corrupção. A sua inércia, apesar de saber dos fatos, faz dele um cúmplice dos corruptos.
Segundo, porque a Fifa recuperou ao menos uma pequena parcela de credibilidade. Há pelo menos a esperança de que isso seja o fim das promessas vazias. Já se falou demais em "transparência" – e tudo continuou obscuro. Por exemplo, o salário de Blatter: um segredo de Estado na Fifa. Ou a conversa fiada do "Fairplay": desde quando isso combina com os relatórios internos sobre envelopes de dinheiro que abriram o caminho para que Blatter chegasse à presidência em 1998? E a responsabilidade pelo recente escândalo de corrupção, Blatter assumiu apenas de forma verbal – uma frase vazia. Até agora.
Terceiro, porque o caminho para um recomeço está livre. A Fifa pode se reinventar, livrar-se de antigas regras e de funcionários corruptos. Sim, Blatter deveria ter renunciado antes. Sua vitória na eleição prejudicou os concorrentes e lhe assegurou um último triunfo – assim, ele sai invicto do ringue. Mas há um lado positivo: a abalada oposição, formada por europeus embaraçosamente desunidos, pode se reorganizar. Ela pode e deve agora assumir a responsabilidade e mostrar como a Fifa pode melhorar. Por exemplo, ao reconhecer honestamente o que a Fifa é: não uma pequena associação sem fins lucrativos regida pela lei suíça, mas uma lucrativa empresa de grande porte. Honestidade já seria um bom começo.
É verdade que, apesar da esperança, ainda resta saber se a renúncia de Blatter levará realmente a uma revolução na Fifa. De qualquer forma, a oportunidade está aí. Agora só falta aproveitá-la.