Vamos começar com a boa notícia: ao menos não haverá outra paralisação da máquina estatal nos Estados Unidos.
A má notícia? Além de assinar o Orçamento aprovado pelo Congresso para financiar o Estado, Donald Trump também declarou emergência nacional para cumprir sua promessa de construir um "grande e belo muro" ao longo da fronteira com o México.
É tentador falar da possibilidade de outra paralisação do governo em meio às imprevisíveis manobras de Trump para financiar seu insensato muro. Mas nós realmente não deveríamos fazer isso.
Qualquer um que tenha testemunhado as profundas angústias e as invariavelmente consequências que o shutdown desencadeado por Trump resultaram para milhões de americanos ficará grato de que, pelo menos, outra paralisação federal tenha sido impedida.
Mas Trump não seria Trump se não criasse outro espetáculo. Mesmo em meio a uma paralisação da máquina pública, Trump, autointitulado o melhor negociador do mundo, não conseguiu fechar um acordo com um dividido Congresso que incluísse dinheiro para o seu prometido muro.
E não vamos esquecer que ele também não cumpriu sua promessa inicial de que o México pagaria pelo muro. A assinatura da medida de gastos e da declaração de emergência tornou oficial: os contribuintes americanos, e não o México, pagarão pelo muro de Trump.
Para ofuscar esse fato, Trump fez uso de um de seus truques mais populares: gabou-se de ter resolvido uma crise sem mencionar que se tratava de uma crise criada por ele mesmo.
Para ser justo, a situação na fronteira é complicada. Mas é uma crise humanitária, não uma emergência nacional, conforme apontou corretamente a presidente da Câmara, Nancy Pelosi. Além do mais, o processo demorado de construir um muro pouco fará para remediar a suposta emergência nacional em curso atualmente na fronteira.
Mas melhorar realmente a situação atual nunca foi o objetivo. É por isso que se trata de um estratagema. O verdadeiro objetivo de Trump é encenar atitude para sua base eleitoral. Ao contornar o que ele certamente retratará como um Congresso enfraquecido, Trump se apresenta como um líder decisivo que, quando houver momentos decisivos, desrespeitará os legisladores para agir conforme o que ele interpreta erroneamente como interesse nacional.
Embora a declaração de emergência nacional não goze de popularidade entre a maioria dos americanos, ela é apoiada pelos defensores mais ferrenhos do presidente – e pelos muitos republicanos no Congresso que cederam mais uma vez, após inicialmente se oporem à medida.
A legalidade da manobra de Trump será contestada em tribunais. Perante os juízes não estarão apenas grupos de direitos civis, mas também proprietários de terras que podem ser forçados a abrir mão de suas propriedades sob a invocação de direito às terras pelo governo.
É crucial notar que, embora a declaração de emergência nacional de Trump seja uma medida particularmente descarada – e envolveu o mais longo shutdown da história dos EUA e um caso de chantagem presidencial para forçar a aprovação do orçamento no Congresso – o uso da ferramenta de declarar emergência nacional é bastante comum.
"Em 1995, os EUA declararam estado de emergência. Nunca terminou", dizia uma manchete recente na revista americana Atlantic. De acordo com o texto, o terrorismo representa apenas uma das 31 emergências nacionais em andamento que incluem "tudo, desde agitação no Burundi ao movimento de navios perto de Cuba".
Assim como fez com a risível declaração de que as importações de metais dos aliados europeus e do Canadá são uma ameaça à segurança nacional dos EUA, o que permitiu reduzir as tarifas dos concorrentes, Trump tem explorado as brechas no sistema político americano de uma forma que poucos achavam ser possível.
Embora os impulsos dos líderes da oposição como a própria Pelosi – que disseram a Trump que futuros presidentes democratas também poderiam fazer uso dessa ferramenta para declarar emergência nacional a respeito de temas polêmicos, como a violência armada – sejam compreensíveis, os democratas não devem ceder a esses sentimentos revanchistas.
Em vez de brincar com fogo ao conceder a potenciais presidentes irresponsáveis – independente da filiação partidária – amplas habilidades para declarar emergências nacionais e contornar a vontade dos representantes eleitos pela população, o Congresso deveria retirar os poderes executivos de emergência ou limitá-los substancialmente.
Em vez de reclamar rotineiramente sobre excessos presidenciais quando seu partido não está na Casa Branca, os legisladores de ambos os lados deveriam finalmente aproveitar a oportunidade para conter Trump e impedir que futuros presidentes tirem proveito dessas "emergências" novamente.
Michael Knigge é correspondente da DW em Washington.
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