Opinião: Sem valores comuns, Brics segue sendo bloco solto
10 de julho de 2015O grupo dos países do Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – costuma ser apresentado como um rival do G7, como um contrapeso ao bloco informal dos países ocidentais industriais "clássicos".
Os próprios Brics também se veem um pouco dessa forma – mas só um pouco. Enquanto a China possui a força e a Rússia, a aspiração de se contrapor ao Ocidente, aos outros três países faltam ambas. Brasil, Índia e África do Sul são democracias que não têm nenhum interesse num confronto com o Ocidente. Rússia e China são Estados de cunho autoritário, cujas relações com o Ocidente são instrumentais. Essa situação não deve mudar em breve.
Apesar disso, os Brics aparentemente se sentem bem em seu clube: eles criam um banco comum de desenvolvimento, acertam uma cooperação bilateral aqui, implementam um novo projeto intergovernamental acolá. Além disso, um fórum sindical do Brics exercita críticas à "globalização neoliberal". Vindo da boca de um sindicalista chinês, soa gratuito. Na China, país que elevou mais do que qualquer outro o liberalismo global à condição de doutrina da sua indústria exportadora, a liderança comunista formalmente professa os ensinamentos do papai Marx.
Na cidade russa de Ufá também se falou sobre pontos programáticos, como "a contribuição dos Brics para a luta contra doenças infecciosas". Esse é justamente um dos pontos discutidos na última cúpula do G7, no início de junho, na cidade bávara de Elmau, onde se falou sobre a luta contra o ebola e outras epidemias.
Nesse contexto, a cúpula em Ufá se assemelha a um eco abafado daquilo que o "Ocidente" já deu início. E mais do que essa ressonância abafada não há. Aos Brics falta – devido à ausência de valores comuns – qualquer pretensão universalista credível. Salvadores do clima ou defensores dos direitos humanos não tomaram a palavra em Ufá.
O que une os Brics é o intercâmbio político daquilo que os países emergentes compartilham em termos de experiências políticas e sociais. Isso também inclui lamentar-se do tom de voz de Washington ou das antigas metrópoles coloniais. A fronteira entre um conselho bem intencionado e a tutela política é rapidamente ultrapassada. Somente o anfitrião, o presidente russo Vladimir Putin, conseguiu ver no encontro um momento antiocidental. As tentativas da Rússia de politizar a cúpula fracassaram completamente. Os Brics continuam sendo um bloco solto.
Por outro lado, a Organização para Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês) está diante de uma verdadeira prova de fogo, que ela só poderá superar com uma estrutura organizacional. Ela foi criada para melhorar o trabalho de cooperação na área de política de segurança na Ásia Central. Em breve, isso será extremamente necessário, já que a Otan e os Estados Unidos se distanciam cada vez mais do Afeganistão – sem derrotar de forma alguma os talibãs e com os combatentes do "Estado Islâmico" já sendo vistos na região. A situação é tão grave que até mesmo os arquirrivais Paquistão e Índia pretendem aderir à SCO. As consequências disso são podem ser boas.
O que é muitas vezes esquecido em meio a essa revitalizada retórica de blocos: os Estados Unidos também tentaram, há apenas alguns anos, obter um status de observador na SCO, mas este foi rejeitado pela organização. Nos Estados Unidos, o perigo que a Rússia representa para o Ocidente, para a região de influência da Otan, é considerado muito elevado. Muitos políticos e militares americanos veem na política externa agressiva da Rússia até mesmo a maior de todas as ameaças. Para os Brics e para a Organização para Cooperação de Xangai, por outro lado, a milícia terrorista "Estado Islâmico" representa o maior perigo à segurança global.
Aqui cabe a pergunta: por que então a mídia estatal russa apresenta o governo ucraniano como se a verdadeira ameaça à paz mundial partisse de Kiev? Mas isso é só uma observação. Também no Ocidente aumenta o número de vozes moderadas, que veem no confronto entre Rússia e Ocidente por causa da Ucrânia o conflito "errado" e, ao mesmo tempo, consideram necessários mais esforços comuns para combater o islamismo brutal no cinturão de crise, que vai da Tunísia, até o Paquistão, passando pelo Iêmen.