Na melhor das hipóteses, a falta de reação imediata do chanceler federal alemão, Olaf Scholz, quando Mahmoud Abbas fez um paralelo com o Holocausto pode ser descrita como completa impotência.
O chefe de governo alemão manteve um olhar fixo para a frente, visivelmente irritado, mas sem expressar nenhuma contestação quando, durante uma visita a Berlim, o presidente da Autoridade Nacional Palestina lançou uma provocação com as seguintes palavras: "Israel cometeu 50 massacres em 50 lugares palestinos desde 1947 até os dias de hoje. Cinquenta massacres, 50 Holocaustos."
Pouco depois, o porta-voz do governo alemão encerrou a coletiva de imprensa. Scholz e Abbas apertaram as mãos.
Uma coisa é absolutamente clara: um chanceler federal alemão nunca deve permitir que um convidado em solo alemão negue ou relativize o Holocausto, ou de qualquer forma manche a memória do pior crime da história da humanidade. O Holocausto − e isto parece que tem que ser lembrado novamente na Alemanha − foi planejado em Berlim. A Alemanha nacional-socialista é a culpada pelo assassinato de 6 milhões de judeus. Até hoje, também é responsabilidade do governo alemão honrar a memória das vítimas.
Quão presente ainda é a cultura alemã da lembrança?
Mas como é possível que ele não tenha considerado a possibilidade de Abbas fazer uma comparação com o Holocausto? Afinal, essa não é a primeira vez que o presidente da Autoridade Palestina tenta chamar a atenção com declarações inaceitáveis.
E aqui se manifesta um mal-entendido flagrante: o governo alemão não precisa necessariamente classificar termos que são bastante controversos no contexto do conflito do Oriente Médio− e que não só são usados por muitos outros palestinos além de Abbas, mas também por renomadas organizações de direitos humanos. No entanto, uma linha vermelha é cruzada quando se trata de lembrar o Holocausto. Nesse caso, a Alemanha tem um dever e não pode permanecer em silêncio.
O fato de Olaf Scholz não ter repudiado imediatamente as palavras de Abbas prejudicou maciçamente a reputação da Alemanha − não apenas em Israel − e não pode ser desculpado.
Após a coletiva de imprensa, o chanceler federal tuitou: "Estou profundamente indignado com as declarações indizíveis do presidente Mahmoud Abbas. Para nós, alemães, em particular, qualquer relativização do Holocausto é intolerável e inaceitável. Condeno qualquer tentativa de negar os crimes do Holocausto."
Mas a declaração veio tarde demais. O escândalo já havia chegado a Israel, colocando combustível na já tensa situação no Oriente Médio. O primeiro-ministro israelense, Yair Lapid, ele próprio filho de sobreviventes do Holocausto, já havia declarado no Twitter, referindo-se a Abbas: "A história nunca o perdoará."
Abbas não representa todos os palestinos
As palavras do próprio Abbas não precisam de mais comentários aqui. Elas são vergonhosas e infames. Acima de tudo, são prejudiciais aos palestinos, que merecem poder escolher quem os representa no mundo (lembre-se que já se passaram 16 anos desde as últimas eleições democráticas). E que merecem um presidente que tente ser diplomático.
Abbas poderia ter providenciado que o assunto fosse discutido após a coletiva de imprensa, se tivesse dito que um ataque aéreo das forças israelenses − e não como inicialmente declarado pelo lado israelense um míssil mal guiado pela Jihad Islâmica − matou cinco crianças em Gaza há apenas alguns dias.
Em vez disso, manchou a memória das vítimas do Holocausto e com elas a reputação de todos aqueles palestinos que nunca relativizariam o Holocausto. E que não querem nada mais para si mesmos e para os israelenses do que finalmente a paz.
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Sarah Hofmann é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.