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Opinião: Os dez anos da revolução iPhone

Martin Muno
Martin Muno
8 de janeiro de 2017

Lançamento do smartphone da Apple, em 2007, revolucionou nossa maneira de pensar e agir. O aparelho se tornou parte essencial do cotidiano, mas seria sensato desligá-lo de vez em quando, opina Martin Muno.

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Martin Muno é jornalista da DW
Martin Muno é jornalista da DW

Era uma vez o tempo em que precisávamos perguntar pelo caminho quando não conhecíamos um bairro. Tínhamos que ir até a estação de trem ou a parada de ônibus para ver o plano de horários e quando partia a próxima conexão. E tínhamos sempre vários aparelhos conosco: um celular para telefonar ou enviar SMS, um MP3 Player – ou, antes disso, um walkman – para ouvir música e uma câmera para tirar fotos. Compartilhar dados desses aparelhos com outras pessoas era algo totalmente impensável.

Mais tarde, surgiram celulares capazes de integrar algumas dessas funções. Entre homens de negócios, aparelhos Blackberry eram símbolos de status, pois seus teclados (de máquina de escrever) permitiam escrever textos que seriam desesperadores em celulares convencionais com a função T9. Mas todos esses dispositivos tinham teclas e uma estrutura mais ou menos complicada de menu. Os celulares podiam cada vez mais, mas os manuais de instrução eram cada vez maiores.

A revolução aconteceu em 9 de janeiro de 2007. O presidente da Apple, Steve Jobs, apresentou o iPhone durante a Macworld Conference & Expo, em São Francisco. Ele tinha uma tela touch screen, na qual era possível digitar, apagar e aumentar o modo de visualização. Era um aparelho capaz de muita coisa e, ao mesmo tempo, de manejo simples e intuitivo. Ou, nas palavras de Jobs: "Simples pode ser mais difícil que complexo." O celular se transformou num minicomputador, que até uma criança poderia operar.

Desde então, a caminhada triunfal dos smartphones vem sendo ininterrupta. E não apenas porque a Apple se transformou na marca mais valiosa do mundo. Na esteira do iPhone, outras empresas produziram dispositivos equivalentes. Se, em 2007, 122 milhões de smartphones foram vendidos, em 2016 foram cerca de 1,5 bilhão. O smartphone – seja um iPhone ou um produto da concorrência – é parte integrante da vida cotidiana.

E como ele está sempre presente, mudou nossas vidas de tal maneira que por muito tempo parecia inconcebível. Na era pré-iPhone, um interlocutor olhar para seu celular no meio de uma conversa e enviar rapidamente uma mensagem no Whatsapp seria tão rude quanto o fato de metade dos participante de uma reunião ler descaradamente enquanto uma pessoa apresenta algo.

Logo ao acordarmos olhamos para o celular e, ao longo do dia, o fazemos quase 200 vezes, até o largarmos pouco antes de dormir. Para a socióloga americana Sherry Turkle, os smartphones nos transformam em quase "homens-máquinas". Eles são apenas o primeiro passo. Muitos já possuem o segundo: os chamados wearables, como um iWatch. Alguns poucos também já têm chips implantados, que abrem a fechadura da porta, por exemplo. Isso não está muito longe de um ciborgue.

Já nos acostumamos há muito tempo ao fato de, em plataformas de trem ou no ônibus, quase todos olharem fixamente para seus celulares em vez de observarem seus arredores ou se comunicarem com outras pessoas. Mas em meados do ano passado surgiu algo novo: pessoas que saíam em massa caminhando por aí com o celular bem diante do nariz, em parte agitadas, em parte alegres. Era o aplicativo Pokémon Go, que transformou a caça a monstros num popular esporte.

Em muitos lugares desapareceu a separação entre trabalho e lazer. Uma pesquisa YouGov revelou no ano passado que quase metade dos trabalhadores na Alemanha checa seus e-mails de trabalho após o fim do expediente. Quase um terço checou os e-mails de trabalho ao menos uma vez em suas últimas férias. Ao mesmo tempo, quase 40% se incomodam quando seu acompanhante o faz durante as férias. E um terço dos entrevistados considera estressante o fato de se estar constantemente disponível. Algumas empresas já reagiram e proibiram o envio de e-mails fora do horário de trabalho.

E com tudo o que fazemos no celular, com todos os aplicativos que usamos, deixamos um enorme rastro de dados. Passamos a ser calculáveis, os algoritmos já começam a prever nossas intenções futuras. O romance 1984, de George Orwell, manda saudações.

Isso significa que nos submetemos a esses pequenos aparelhos. Eles desempenham serviços dos quais ninguém mais quer abrir mão. Reaproximam pessoas que vivem distantes. Mas tudo tem seu preço. Muitos não conseguem mais viver um minuto sequer sem smartphone. Se ele não estiver disponível, entra-se num terrível estado de choque. Há até termos específicos para isso, como nomofobia ou iDisorder. Alguns chegam a sentir uma vibração fantasma.

Por isso, grudamos nos aparelhos. Mas isso também não nos faz bem. Quem está sempre olhando para o celular corre o risco de sofrer de males relacionados ao estresse, como hipertensão arterial, distúrbios do sono e, no pior dos casos, síndrome de burnout ou depressão. No século 16, Paracelso já sabia que "somente a dose faz com que uma coisa não seja um veneno".

Fomos surpreendidos no nosso comportamento cotidiano pela introdução do iPhone assim como por qualquer outra invenção revolucionária. Futuras gerações talvez zombem do nosso comportamento da mesma maneira como fazemos quando assistimos a filmes sobre os primeiros motoristas de automóveis, que gritavam "brrr" e "pare" para que o carro parasse.

Seria sensato nos prepararmos melhor para o futuro digital para não passarmos de mestres a escravos dos pequenos ajudantes. E já podemos fazer algo. Também há coisas empolgantes a serem descobertas além do celular. Coisas que têm cheiro e gosto e que sentimos na pele. De vez em quando, deveríamos nos concentrar nessas experiências e, vez ou outra, desligar os smartphones.

Martin Muno
Martin Muno Imigrante digital, interessado em questões de populismo e poder político.