Como em seus dois discursos anteriores numa sessão conjunta do Congresso, o presidente americano, Donald Trump, optou por se ater ao manuscrito nesta terça-feira (05/02). Como resultado, ele apresentou o que pode ser descrito como um discurso sobre o estado da União bastante tradicional, em vez do típico fluxo presidencial de pensamentos que normalmente caracteriza seus pronunciamentos.
Durante o seu primeiro discurso para um Congresso dividido, Trump não insultou ou ridicularizou ninguém, não ameaçou aniquilar um país estrangeiro e nem mesmo declarou uma emergência nacional para construir seu prometido muro ao longo da fronteira com o México. Na verdade, ele nem sequer chegou a proferir seus slogans de campanha "Tornar os EUA grandes novamente" e "EUA em primeiro lugar".
Em vez disso, o discurso de Trump foi um longo apelo – interrompido por uma passagem assustadora e obscura sobre imigração ilegal, alguns ataques ao Irã, breves repreensões a aliados mesquinhos da Otan acompanhadas de vanglória em fazê-los pagar – para superar desavenças partidárias em prol de uma nova unidade nacional.
Trump pediu ao Congresso que rompa o "impasse político", "supere antigas divisões", "cure velhas feridas" e "adote um espírito de consenso e cooperação". Apenas juntos, argumentou Trump diante do Congresso, os EUA podem acabar com as divisões profundas que os estão destruindo.
Somente juntos, apontou Trump, podem-se resolver os problemas de longa data que afligem milhões de americanos, como a disponibilidade de serviços de saúde acessíveis ou empregos com salário digno.
E sabe uma coisa? Trump está certo. Ele tem razão em dizer que apenas cooperação e consenso podem superar as divisões políticas no país. Ele tem razão em apontar soluções duradouras para problemas como a infraestrutura decrépita dos EUA, cuidados de saúde caros e inacessíveis, seu sistema de imigração e muitos outros pontos só podem ser alcançados por meio de ações e consensos bipartidários.
O problema é que Trump, como mostra seu histórico, é a última pessoa interessada e capaz de alcançar um verdadeiro consenso. Se há algo que o mundo aprendeu em seus mais de dois anos no cargo é que a real harmonia e o bipartidarismo são um anátema para Trump. Na verdade, ele fez mais para dividir o país do que qualquer um de seus recentes predecessores.
Pouco antes do discurso, o jornal The New York Times informou que Trump organizou um almoço particular para âncoras de televisão e fez um ataque violento e às vezes pessoal contra democratas de peso, como Chuck Schumer, Joe Biden e Elizabeth Warren. Isso dificilmente é uma receita para a harmonia bipartidária.
Um exemplo mais consequente da falta de vontade de Trump para alcançar consensos ocorreu há algumas semanas. Tentando forçar os democratas a financiar seu "grande e belo muro", Trump provocou a mais longa paralisação do governo na história dos EUA, sem falar das consequências que sua postura intransigente teve para milhões de americanos.
Trump sempre defendeu a abordagem do "é do meu jeito ou não tem jeito" – tanto durante a sua carreira como empreendedor imobiliário quanto atualmente em seu mandato como presidente. Ele disse repetidamente que para ele tudo gira em torno de vencer a qualquer custo.
De fato, as palavras que Trump falou durante seu discurso sobre o estado da União evocaram bipartidarismo, unidade e compromisso. E para dar o devido crédito, os redatores dos discursos de Trump criaram algumas passagens bipartidárias inteligentes e contundentes, por exemplo, quando o presidente se referiu ao fato de que nunca antes tantas mulheres haviam servido no Congresso.
Como resultado, alguns observadores provavelmente concluirão que Trump finalmente adotou um tom presidencial e que talvez esse discurso possa marcar uma guinada em seu mandato.
A esperança é a última que morre. Mas não nos deixemos levar por um discurso formal. Segundo tudo o que vimos do magnata até agora, as palavras proferidas durante o discurso sobre o estado da União não revelam o verdadeiro Trump.
O verdadeiro Trump se revela diariamente no Twitter e por suas ações, não semestralmente num pronunciamento lido de teleprompter. Consequentemente, o seu apelo ao bipartidarismo e ao consenso pode durar apenas até o seu próximo tuíte.
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